terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Coisas públicas

- DANIEL PIZA - O Estado de S.Paulo - 26 de dezembro de 2010

Uma das coisas curiosas nesses oito anos de governo Lula foi a ginástica verbal que aqueles que se dizem "de esquerda", que durante duas décadas sonharam com a chegada da classe operária ao Planalto, fazem para justificar os elogios a um tipo de gestão que tanto condenavam. Lula manteve o modelo econômico do antecessor, que antes classificava erroneamente de "neoliberal", em todos os aspectos: meta de inflação, câmbio livre, reservas financeiras, estímulos ao consumo, juros relativos entre os maiores do mundo, busca de graus melhores nas agências de risco; nenhuma privatização cancelada ou sequer investigada, e até alguns bancos estatais vendidos. Estatizações? Poucas. Reforma agrária? Longe disso. Protecionismo maior? Não, mesmo com aumento do déficit externo. Transferência de renda? Os ricos nunca estiveram tão ricos.

Ao contrário: o governo Lula aprimorou esse modelo, levando as reservas ao exagero de US$ 300 bilhões, investindo dinheiro do BNDES em grandes empresas ou setores que geram emprego, saldando dívidas com o FMI, etc. Também aprimorou o aspecto social desse modelo, não só com verbas assistenciais (que representam pouco no orçamento anual, R$ 12 bilhões, e muito no retorno simbólico), mas sobretudo com a ampliação do crédito (a política mais determinante de seus mandatos, mais que o Bolsa Família), sem perder controle da dívida interna. A pergunta que ninguém se faz: será que as alternativas a Lula nas duas eleições, Serra e Alckmin, teriam tido o mesmo sucesso econômico e social? Considerando os bons ventos para o mundo emergente, é possível que sim. Mas não sei se teriam tido a mesma percepção para bolsas e créditos - e tenho certeza de que saberiam bem menos capitalizá-la politicamente.

Outra curiosidade dos anos Lula foi o tipo de crítica pessoal, raivosa e iludida que ele gerou em pessoas que, supostamente, eram favoráveis a essa política econômica, de agradar ao mercado e ampliar a classe média. Se eram favoráveis, por que não souberam reconhecer seu efeito eleitoral? O duplo mandato de Lula, que também era contra a reeleição no século passado, não teve um único traço de socialismo ou estatismo. Não teve nem mesmo de social-democracia, pois esta pressupõe o acesso universal e gratuito a educação e saúde. Suspeito que a gestão tucana de Lula inflou o preconceito dos que antes bajulavam tanto o governo FHC porque, afinal, o "guia" petista os deixou sem nenhuma bandeira própria. E a única saída que viram foi assumir sua retórica "de direita", com laivos religiosos e tudo, que os deixou cegos para a esperteza política de Lula, como a de recusar um terceiro mandato.

Lula não governou nem à esquerda nem à direita, muito pelo contrário... e com isso confundiu tanto seus áulicos quanto seus críticos. O PIB foi o que menos cresceu em média entre os emergentes (4%), mas cresceu mais que no período anterior (2,5%) - por isso ele não parou de comparar o tempo todo - e saiu da crise de 2009 com um índice acima de 7% em 2010. O desemprego medido pelo IBGE, ainda que reste tanta informalidade e a renda tenha apenas recuperado níveis de 15 anos atrás, termina abaixo de 6%, o que é quase pleno emprego. Os numerosos escândalos de corrupção, por mais que ele tenha construído sua carreira com o mesmo discurso udenista ("São 300 picaretas com anel de doutor") que hoje seus defensores acusam na oposição, foram rechaçados maquiavelicamente, pois o povo passou a dizer que, se são mesmo todos iguais, é melhor continuar com um igual que está dando certo.

E ainda querem entender o porquê dos 83% de popularidade? Não vejo fenômeno mais fácil de interpretar. O despreparo e a demagogia de Lula, que em alguns momentos ultrapassaram o vergonhoso, não impediram que a sensação de bem-estar aumentasse como aumentou. O que sempre disseram de um eventual governo Lula? Que reverteria todos os avanços, que faria do Brasil uma Venezuela, que expulsaria empresários e causaria guerra civil... Como nada disso aconteceu, tudo que houve de positivo reverteu para ele; o que houve de negativo foi parar na conta de todos ("O país tem a classe política que merece"). Por mais que as eleições em todos os níveis tenham mostrado que a popularidade do presidente não significa uma aceitação de tudo que fez, é preciso ser muito ingênuo ou orgulhoso para achar que o povo ia dissociar a melhora de sua vida e a responsabilidade do presidente nela.

Isso tudo, no entanto, não significa que seu governo tenha sido tão bom quanto as pesquisas dizem. Sempre estive entre os 15% e 30% que o consideraram "regular", nota 6, ao longo dos oito anos. Por quê? Eis o ponto: se Lula fez bem em dar continuidade a muitas conquistas do governo anterior (que sofreu para obtê-las por causa de uma oposição que o sucessor jamais experimentou), também cometeu muitos erros semelhantes, em especial o velho vício nacional de achar que centro é comodismo, que conciliação é conchavo, que exigente é chato. Nenhuma reforma importante foi feita, nenhuma transformação séria. O mecanismo pelo qual o poder é exercido segue sendo o mesmo arranjo de oligarquias, que concede um lento avanço do perfil social em troca do uso desregrado do dinheiro público. A carga tributária continuou subindo no mesmo ritmo, em direção aos padrões escandinavos, sem a respectiva devolução de benefícios coletivos. Metade da população não tem acesso a esgoto!

Analise friamente, aliás, cada um dos ministérios, ou melhor, os mais relevantes (já que Dilma Rousseff teve de lotear nada menos que 37 ministros pela Esplanada). Na educação, houve aumento quase inercial da abrangência; no caso das universidades, o ProUni ajudou, embora nada mais seja que dar dinheiro do contribuinte para um grupo crescente de empresas particulares; mas a qualidade não deu nem parte do salto que deveria e poderia dar, como fizeram os sul-coreanos. Na saúde, a situação da rede pública é vexaminosa, seguida de perto nas mesmas pesquisas pela questão da segurança. A Justiça continua a ser lenta e antidemocrática; quem tem pistolão e dá carteirada sempre se safa, nem que seja com prisão domiciliar. Mesmo na economia, os impostos e as importações asfixiam a produção nacional; e, ainda que o consumo esteja tão aquecido, o custo das mercadorias - do livro ao iPad, do feijão ao carro - é dos mais altos do mundo. Há pouca inovação, enquanto os chineses arrebatam todos os prêmios, da matemática à música, e fazem vales do silício.

O governo Lula foi pródigo em bravatas de cunho populista, em bazófias da ignorância, em tentativas de intervencionismo estatal e afrontas à liberdade de expressão, em casos de corrupção que em países desenvolvidos jamais seriam tolerados (imagine o de Erenice Guerra na Inglaterra ou no Japão), em momentos tristemente folclóricos (de "Dá dois paus pra eu" a "Sai daí, Zé", das violações de sigilo de caseiro e colega aos abraços em ditadores no Irã e em Cuba), em péssimo gerenciamento de sistemas como o aeroviário e o portuário. Também foi esperto ao embarcar com vigor na onda dos emergentes, vendendo commodities e atraindo investimentos, e a induzir o mercado interno, ainda que apenas pela via do consumo e dos gastos, e conseguiu resultados de que até Lula duvidava, provando que o capitalismo é o sistema que melhor combate a pobreza. Dizer que o saldo é bom é supor que uma coisa não poderia vir sem a outra. Espero que o governo Dilma ao menos respeite mais a coisa pública.

Por que não me ufano. Tenho muitas dúvidas sobre o caso WikiLeaks, o site que vazou milhares de textos confidenciais da diplomacia americana, menos a de que a liberdade de expressão deva ser coibida. A prisão do criador do site, Julian Assange, acusado de crimes sexuais, aconteceu num momento que sugere intimidação, como disse a ONU; empresas e governos o declararam "persona non grata". Sim, é verdade que a maioria dos despachos não passa de mais uma demonstração da futilidade e leviandade da rotina diplomática, e que em alguns casos faltou a responsabilidade do bom jornalismo de checar fontes e contrapor versões, além da revelação de alguns dados que poderiam ser estratégicos. Sim, é assustador ver como a internet é insegura, que não há privacidade que resista. Mas os documentos são reais, as informações podem ser pertinentes e o caso poderia abrir caminho para mais transparência dos poderes.

Enquanto isso, no Brasil, o governo diz que a proposta de regulação dos meios de comunicação não tem nada a ver com censura e que ela é comum em outros países. Nananinanão. Nos outros países, há entidades que zelam pelas regras do setor, não órgãos estatais munidos de critérios vagos como "contrapartida social" e "serviço público". A proposta de Franklin Martins, aquele que dizia todas as noites na TV Globo que o mensalão não existiu, tem pontos positivos, como a limitação da propriedade de mídia por políticos, o que o senado do cacique Sarney jamais deixaria passar. Jornal regional, no Brasil, é muitas vezes o panfleto de alguma oligarquia política. Mas a compulsão censora da Justiça, a criação de "conselhos" estaduais para cercear a liberdade de imprensa e a falta de apoio democrático ao projeto deveriam engavetá-lo.

Inté. Pausa para retomar o fôlego: esta coluna volta no dia 23/1. Feliz 2011 para todos.


domingo, 26 de dezembro de 2010

O mau sinal do governo que nem começou

Elio Gaspari, O Globo

A permanência do deputado Pedro Novais (PMDB-MA) no Ministério do Turismo e da senadora Ideli Salvatti (PT-SC) no da Pesca são um mau presságio para um governo que nem começou. Revelam ligeireza com o dinheiro da Viúva, onipotência e descaso pela opinião pública.

Novais recebeu da Câmara R$ 2.156 por conta de uma nota fiscal do motel Caribe, de São Luís, relacionada com despesas feitas no estabelecimento durante a noite de 28 de junho. A senadora, que recebe R$ 3.800 mensais para custear sua moradia na Capital, cobrou à Viúva R$ 4.606 referentes a diárias de hospedagens no hotel San Marco, de Brasília, entre janeiro e dezembro deste ano.

Descobertos, ambos atribuíram as cobranças a “erros” praticados por assessores e informaram que devolveriam o dinheiro. Pedir desculpas à patuleia, identificando publicamente os responsáveis, nem pensar.

Cobrança de parte da presidente eleita, que acabara de indicá-los para o Ministério, muito menos.

Preservou-se o padrão de casa-grande dos maganos de Brasília. Ao pessoal da senzala, restou o alívio da descoberta do avanço sobre seu dinheiro, feita pelos repórteres Leandro Colon, Matheus Leitão, Andreza Matais e José Ernesto Credencio.

O deputado Novais, um maranhense octogenário que vive no Rio de Janeiro e chegou ao Ministério do Turismo por indicação do senador José Sarney, do Amapá, foi imediatamente defendido pelo líder de seu partido, Henrique Eduardo Alves: “Ele está esclarecendo de forma competente”. Em seguida, pelo futuro ministro das Relações Institucionais, deputado Luiz Sérgio (PT-RJ): “O Pedro Novais é um parlamentar experiente e, pela história dele, precisamos dar crédito à sua versão”.

Num primeiro instante, a reação de Novais foi típica dos senhores de escravos: “Pare de encher o saco. Faça o que você quiser”. Depois, apresentou uma explicação que tem muito de experiente e pouco de competente: “Indignei-me como parlamentar e homem público, mas, acima de tudo, como cidadão e marido. A acusação leviana tenta atingir minha moral e a firmeza de minha vida familiar. Sou casado há 35 anos. Na noite de 28 de junho, data da emissão da nota fiscal pelo estabelecimento, estava em casa, ao lado de minha mulher. Não posso aceitar que essa falha seja usada para acusações irresponsáveis à minha pessoa”.

Mesmo que na noite de 28 de junho o deputado estivesse na Igreja Evangélica Brasileira, que fica na Rua do Amor, nas cercanias do motel Caribe, isso não teria qualquer importância. Foi seu gabinete que apresentou à burocracia da Câmara a nota fiscal do motel. Ademais, uma funcionária do Caribe informou que houvera uma reserva em seu nome.

Admitindo-se que tudo não passou de um erro, Novais deveria ser grato ao repórter Leandro Colon, pois ele permitiu que expurgasse de sua longeva biografia e de seu firme matrimônio a sombra de uma despesa de R$ 2.156 num motel.

Em 2002, a nação petista sabia que o tesoureiro Delúbio Soares ia além de suas chinelas nas mágicas financeiras que fazia com o publicitário Marcos Valério. Acharam que dava para segurar. Em 2003, o poderoso José Dirceu sabia como operava seu assessor Waldomiro Diniz. Achou que dava para segurar.

Depois que as acrobacias confluíram no mensalão, Nosso Guia deu-se conta de que deveria ter substituído Dirceu logo depois do caso de Waldomiro. Em todos os episódios, o governo comprou o risco da crise porque tolerou malfeitos que lhe pareciam toleráveis.

Isso, supondo-se que Dilma Rousseff não fazia ideia das atividades da família Guerra quando patrocinou a ascensão da doutora Erenice à chefia da Casa Civil da Presidência.

A senadora Salvatti e o deputado Novais foram preliminarmente exonerados pela teoria do “erro”, sempre praticado por assessores jamais identificados e nunca disciplinados. Repetindo: nem desculpas pediram. Passou-se adiante o pior dos sinais: “Vamos em frente, não tem problema”.

domingo, 21 de novembro de 2010

"O TRIUNFO DA PELEGADA"

O futuro do PT - Lúcia Hipólito

O PT nasceu de cesariana, há 29 anos. O pai foi o movimento sindical, e a mãe, a Igreja Católica, através das Comunidades Eclesiais de Base.

Os orgulhosos padrinhos foram, primeiro, o general Golbery do Couto e Silva, que viu dar certo seu projeto de dividir a oposicão brasileira.

Da árvore frondosa do MDB nasceram o PMDB, o PDT,o PTB e o PT.. Foi um dos únicos projetos bem-sucedidos do desastrado estrategista que foi o general Golbery.

Outros orgulhosos padrinhos foram os intelectuais, basicamente paulistas e cariocas, felizes de poder participar do crescimento de um partido puro, nascido na mais nobre das classes sociais, segundo eles: o proletariado.

O PT cresceu como criança mimada, manhosa, voluntariosa e birrenta. Não gostava do capitalismo, preferia o socialismo. Era revolucionário. Dizia que não queria chegar ao poder, mas denunciar os erros das elites brasileiras.

O PT lançava e elegia candidatos, mas não "dançava conforme a música". Não fazia acordos, não participava de coalizões, não gostava de alianças. Era uma gente pura, ética, que não se misturava com picaretas.

O PT entrou na juventude como muitos outros jovens: mimado, chato e brigando com o mundo adulto.

Mas nos estados, o partido começava a ganhar prefeituras e governos, fruto de alianças, conversas e conchavos. E assim os petistas passaram a se relacionar com empresários, empreiteiros, banqueiros.

Tudo muito chique, conforme o figurino.

E em 2002 o PT ingressou finalmente na maioridade. Ganhou a presidencia da República. Para isso, teve que se livrar de antigos companheiros, amizades problemáticas. Teve que abrir mão de convicções, amigos de fé, irmãos camaradas.

A primeira desilusão se deu entre intelectuais. Gente da mais alta estirpe, como Francisco de Oliveira, Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho se afastou do partido, seguida de um grupo liderado por Plinio de Arruda Sampaio Junior.

Em seguida, foi a vez da esquerda. A expulsão de Heloisa Helena em 2004 levou junto Luciana Genro e Chico Alencar, entre outros, que fundaram o PSOL.

Os militantes ligados a Igreja Católica também começaram a se afastar, primeiro aqueles ligados ao deputado Chico Alencar, em seguida Frei Betto.

E agora, bem mais recentemente, o senador Flavio Arns, de fortíssimas ligações familiares com a Igreja Católica.

Os ambientalistas, por sua vez, começam a se retirar a partir do desligamento da senadora Marina Silva do partido.
Afinal, quem do grupo fundador ficará no PT? Os sindicalistas.

Por isso é que se diz que o PT está cada vez mais parecido com o velho PTB de antes de 64.

Controlado pelos pelegos, todos aboletados nos ministérios, nas diretorias e nos conselhos das estatais, sempre nas proximidades do presidente da República.

Recebendo polpudos salários, mantendo relações delicadas com o empresariado. Cavando beneficios para os seus. Aliando-se ao coronelismo mais arcaico, o novo PT não vai desaparecer, porque está fortemente enraizado na administração pública dos estados e municipios. Alem do governo federal, naturalmente.

É o triunfo da pelegada..

Lucia Hippolito

(AS PESSOAS ESCLARECIDAS, [DO BEM] PULARAM DO BARCO, ANTES DAS RATAZANAS TOMAREM CONTA DE TUDO)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Perigo de retrocesso (no Brasil) existe, diz Alain Touraine

O sociólogo francês Alain Touraine diz que o governo Dilma Rousseff é uma incógnita e critica o autoristarismo do PT

Márcia Abos

Um dos mais respeitados intelectuais franceses, o sociólogo Alain Touraine, de 85 anos, diretor da École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, apresenta na terça-feira, em São Paulo, o seminário "Queda e renascimento das sociedades ocidentais".

Touraine chegou no domingo à capital paulista e, em entrevista ao GLOBO, falou sobre o temor de um retrocesso no Brasil, após a eleição de Dilma Rousseff. Apesar de elogiar os governos Fernando Henrique e Lula, frisou que o país tem um passado marcado pelo populismo e alertou para o autoritarismo de "segmentos do PT":

- A verdade é que não sabemos o que será o governo da nova presidente.

O intelectual também acredita que o tucano José Serra é peça fundamental para a oposição.

O GLOBO: Como o senhor vê as transformações da sociedade brasileira nos últimos 16 anos? Como avalia a vitória de Dilma Rousseff?

Uma coisa é clara. O Brasil tem um sistema político horrível, corrupto. Fernando Henrique Cardoso, em seus oito anos de governo, construiu as instituições. Fez uma transição perfeita para entregar a Presidência a seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva.

Lula, por sua vez, realizou transformações sociais, tirando dezenas de milhões de brasileiros da miséria e da exclusão. Graças aos dois, em igual importância, o Brasil tem os elementos básicos para desenvolver um novo tipo de sociedade. Mas não sou necessariamente otimista. Não sabemos o que acontecerá daqui para a frente. A nova presidente (Dilma) foi inventada por Lula.

O Brasil tem um longo passado de populismo e a ameaça persiste devido ao nível de desigualdade social extremamente elevado. Após 16 anos dos governos FHC e Lula, é impossível questionar o potencial do Brasil.

Mas o perigo de um retrocesso existe, até porque o passado do PT está longe de ser perfeito. Lula não foi autoritário, mas segmentos do PT o são. A ideia de Dilma esquentar a cadeira por quatro anos para Lula também me desagrada.

Em uma democracia, não pode haver presidente interino. A verdade é que não sabemos o que será o governo da nova presidente, porque ela não tem experiência política.

Mas eu acredito que o Brasil tem tudo para ser o lugar em que uma nova sociedade surgirá. Não vejo muitos outros países no mundo que tenham chances tão boas quanto o Brasil.

José Serra, candidato derrotado do PSDB, deu a entender que fará com seu partido uma oposição mais dura ao governo Dilma, diferente da postura de seu partido frente a Lula. Como o senhor vê a polarização entre os dois maiores partidos brasileiros?

Neste momento, Dilma é Lula. Ninguém sabe nada sobre ela. Ela pode ter tendências populistas ou fazer um fantástico governo, não sabemos. O fato é que, depois de Lula, era impossível para José Serra vencer. Ele é extremamente competente, honesto e sério. Na oposição, é um ativo valioso para o Brasil frente aos riscos de irresponsabilidade e populismo.

Para o senhor, como a globalização transformou a sociedade pós-moderna?

Globalização significa muito mais que internacionalização. Significa que nenhuma instituição política, social ou religiosa é capaz de controlar um sistema econômico globalizado. Portanto, minha principal ideia é que a globalização significa o fim da sociedade. A diversidade dos atores é mais importante do que o sistema.

O que restou é o mercado puro. Vivemos agora em uma não sociedade, na qual as pessoas estão interessadas em coisas sem significado. Eliminar significados tem sido a aventura da Europa nos últimos 20 anos. Por exemplo, o desenvolvimento industrial sendo eliminado para dar lugar ao mercado financeiro: dinheiro pelo dinheiro.

Na vida privada, teorias românticas do século XIX deram lugar ao erotismo, à pornografia, ao sexo sem comunicação, emoção ou intenção. Interesse e desejo são a mesma coisa.

Minha pergunta é se é possível reconstruir uma vida social a partir de nenhum elemento social, pois eles despareceram ao longo do caminho.

E é possível? Há esperança para a vida em sociedade?

O único movimento político realmente forte hoje é a ecologia. Pela primeira vez na História abandonamos a velha filosofia de Descartes ou Bacon de que a cultura domina a natureza. Pela primeira vez estamos preocupados em salvar a natureza sem destruir a civilização e vice-versa.

Outra força antropológica pela qual tenho grande interesse é o movimento feminista. Mulheres em geral têm uma visão de sociedade que é o contrário do modelo masculino de tensão extrema, polarização. Mulheres buscam a conciliação em vez da oposição.

No entanto, o feminismo ainda não existe como força política. O sexismo domina. Já avançamos, mas as mulheres continuam tratadas como vítimas.

Ninguém as menciona como alguém que faz coisas. São mais criativas que os homens, mas, por enquanto, aparecem como vítimas, principalmente da violência doméstica.

A terceira força do que seria esta nova sociedade está no indivíduo, no direito a ter direitos, como dizia Hannah Arendt.

Ninguém sabe o que democracia significa hoje, cada um tem sua definição. Para mim, democracia é ampliar o acesso de todos a serviços e bens básicos, como educação e saúde, entre outras coisas.

É possível reconstruir uma sociedade baseada em termos não sociais universais, tais como a ecologia e os direitos individuais. Sou um grande defensor da ideia de universalização.

É fundamental reconhecer e garantir valores universais como, por exemplo, a liberdade religiosa. Recriar formas de vida coletiva e privada baseadas em princípios universais.

Se viver mais um ano, penso em escrever um livro com minhas ideias a respeito dessa nova sociedade possível.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A máquina em campanha

Merval Pereira

Mais grave do que terem colocado o nome do diretor de "Tropa de elite 2", José Padilha, num manifesto a favor da candidatura Dilma Rousseff à Presidência da República sem sua autorização é o fato de que dirigentes da Agência Nacional de Cinema (Ancine) atuaram fortemente para que pessoas ligadas à indústria assinassem o documento.

Há indicações de que vários outros cineastas e atores, muitos inscritos à revelia, foram procurados por funcionários da Ancine na tentativa de engrossar a lista dos apoiadores da candidatura oficial.

Criada em 2001, a Agência Nacional do Cinema é uma agência reguladora que tem como atribuições, segundo a definição oficial, "o fomento, a regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no Brasil".

A Ancine, por sinal, foi uma das responsáveis pela escolha dos jurados que definiram o filme "Lula, o filho do Brasil" como o representante brasileiro ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

Esse é um dos exemplos mais visíveis da utilização da máquina pública na campanha eleitoral de maneira despudorada, a começar pelo próprio presidente da República, que, na reta final da campanha — e com a disputa demonstrando estar mais difícil do que imaginavam seus estrategistas —, já não se incomoda de gravar participações nos programas de propaganda eleitoral no horário do expediente oficial.

E utiliza prédios públicos, como o Palácio da Alvorada, para reuniões políticas com os coordenadores da campanha da candidata oficial.

Seguindo o exemplo de seu chefe, também os ministros de Estado já não tentam disfarçar a campanha que fazem, misturando suas funções de Estado com as de cabo eleitoral da candidata oficial.

No lançamento do programa de saúde da candidatura oficial, a foto dos ministros da Saúde, José Gomes Temporão, e das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ao lado do candidato a vice-presidente da chapa oficial, Michel Temer, os três ostentando uma camiseta com propaganda de Dilma Rousseff, é o exemplo da falta de pudor que domina o primeiro escalão governamental.

Da mesma maneira, funcionários de vários escalões das empresas estatais estão sendo estimulados, ou diretamente ou pela leniência de seus chefes imediatos, a fazer campanha usando o e-mail das próprias empresas.

Funcionários da Petrobras estão distribuindo mensagens com propaganda eleitoral a favor de Lula e Dilma, ou mesmo repassando informações caluniosas contra o candidato do PSDB.

Um deles tem o seguinte aviso, todo em caixa alta: "UMA GRANDE VERDADE!!!! REPASSE ESTE E-MAIL PRA TODOS E NÃO VAMOS DEIXAR A ONDA VERMELHA (PT) PARAR DE CRESCER POR TODO PAÍS!!!!"

A despreocupação é tamanha que já não escondem a identificação. As mensagens têm nome, telefone, cargo.

Entre as muitas mensagens que circulam, uma é da Gerência Setorial de Serviços de Segurança Patrimonial de Escritórios da Petrobras e tem a seguinte identificação: Serviço de Infraestrutura e Segurança Patrimonial. Regional Sudeste. Serviços Compartilhados. CQAY.

Outro é da Eletrobras, do Departamento de Contratações — DAC Divisão de Suprimentos — DACS.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Chacrinha assumiu um pedaço do Judiciário

Elio Gaspari

Faltam quatro dias para a eleição e pode-se temer que o glorioso Abelardo Chacrinha tenha buzinado uma ideia para alguns magistrados: "Eu vim pra confundir, não pra explicar."

A Lei da Ficha Limpa foi sancionada no dia 4 de junho deste ano. Um mês depois, o Ministério Público Federal ajuizou uma ação contra a candidatura do ex-senador Joaquim Roriz ao governo do Distrito Federal. Esse caso particular carregava consigo a discussão da constitucionalidade da lei, bem como sua aplicação neste pleito.

O TRE de Brasília cancelou o registro de Roriz, seus advogados recorreram ao Tribunal Superior Eleitoral e perderam. Numa instância a decisão demorou 25 dias, na outra, dezenove.

Em setembro, Roriz levou o caso ao Supremo Tribunal. Foi julgado 20 dias depois e acabou num empate de 5x5. A eleição será domingo e os cidadãos não sabem o destino que tomarão alguns de seus votos. Consumiram-se 64 dias e, nada.

Quem entende de lei são os juízes, mas a patuleia entende de calendário. Apressando-se o ritual da Justiça estimulam-se decisões sumárias, levadas pela emoção, mas há litígios em que a razão pede um julgamento rápido.

Durante a desorganizada sessão em que o Supremo julgou o caso, surgiu a proposta de se esperar a indicação do 11º ministro por Lula. Embutia a decisão de não decidir.

Se a lei é constitucional, como entendeu o Supremo, e se o recurso do Ficha Suja não foi concedido (por conta do empate), quanto vale a decisão anterior do TSE?

Em 2000, num caso mais premente, o Judiciário americano deu a presidência dos Estados Unidos a George Bush 34 dias depois de uma eleição contestada.

Noutra, de 1971, a Corte Suprema derrubou em dezessete dias a tentativa de Richard Nixon de censurar os documentos da Guerra do Vietnam conhecidos como Pentagon Papers.

Em Pindorama está acontecendo o contrário.

Em abril de 2009, provocado pelo deputado Miro Teixeira, o STF mandou ao lixo a Lei de Imprensa da ditadura e decidiu que por cá não há censura. Desde então, diversos magistrados proibiram os meios de comunicação de publicar isto ou aquilo. Os humoristas tiveram que ir à rua para defender seu direito de propagar o riso.

Ou o STF acabou com a censura para inglês ver, ou há juízes que não acreditam na sua decisão.

A buzina do Chacrinha soou mais alto com a confusão estabelecida em torno dos documentos que o cidadão deverá levar à seção eleitoral.

Desde 1965 a choldra sabe que convém levar o título de eleitor e, necessariamente, um documento de identidade com fotografia. Caso tenha esquecido o título, se o seu nome está listado na seção eleitoral, vota com a carteira de identidade. É isso que manda o Código Eleitoral.

Uma lei do ano passado entrou para complicar: mesmo que o eleitor tenha a carteira com fotografia, precisa do título. Para quê? Se José Rousseff mostrou que é José Rousseff e seu nome está na lista de votação, qual a dúvida?

Seguiu-se a lei básica da burocracia: em dúvida, complique. Os partidos políticos e a Justiça Eleitoral tiveram um ano para consertar o conflito. Faltam quatro dias para a eleição e ele ainda está de pé. Como diria o Velho Guerreiro, "o mundo está em dicotomia convergente, mas vai mudar".

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Hélio Bicudo: ‘País pode caminhar para ditadura civil’

Durante 25 anos, a biografia de Hélio Bicudo enfeitou os quadros do PT. Com o passar do tempo, o promotor franzino tornou-se um estorvo. Em 2005, ano do mensalão, achou que era hora de se desfiliar.

Na semana passada, Bicudo, 88, voltou ao meio-fio num em defesa da democracia e da liberdade de imprensa. Uma reação a Lula. Acha-o diferente do Lula de quem fora vice, nos anos 80, numa chapa que disputou o governo de São Paulo.

Em entrevista veiculada neste domingo (26) em ‘A Gazeta’, Bicudo declara: sob a liderança de Lula, “o Brasil pode caminhar para uma ditadura civil”. Vão abaixo algumas de suas declarações:

- A democracia está sob ameaça?
Acho que sim, porque o presidente da República ignora a Constituição, se acha acima do bem e do mal, e, com uma vitória que está delineada em favor da sua candidata, concentrará todos os poderes da República em suas mãos, além do apoio da maioria dos Estados e da população em geral. Com uma pessoa com esse potencial, e que não vê no ordenamento jurídico do país a maneira de estabilizar as discussões e debates, o Brasil pode caminhar para uma ditadura civil, sem dúvida.

- Depois de 25 anos no PT, imaginou que isso pudesse acontecer?
De início, não, mas no final, achava que aconteceria essa reviravolta. Foi marcante aquela carta aos brasileiros que Lula escreveu antes da sua primeira eleição, demarcando uma posição muito mais para o neoliberalismo do que para o socialismo.

- Vê diferenças entre o neoliberalismo de FHC e de Lula?
Não há nenhuma diferença, porque quem comanda as decisões políticas hoje, como ontem, é o próprio capital.

- O PT indicava uma prática diferente?
O PT fazia uma oposição bastante forte nos governos Sarney e Fernando Henrique. A partir do governo Lula, a unanimidade popular que ele foi conquistando afastou a oposição do seu caminho. E o que aconteceu? Sobre o mensalão e os outros atos de corrupção apontados, nada se fez. Quando Lula diz que é presidente da República até sexta-feira à noite, e depois fecha a gaveta e só volta na segunda-feira, pratica crime de responsabilidade. Afinal, como presidente ele jurou obedecer às leis do país. E a Constituição não permite que um presidente da República participe da campanha eleitoral como ele está participando. É crime que leva ao impeachment, mas nem os partidos políticos, nem a sociedade civil movem nenhuma pedra contra isso.

- O que esperar de Dilma?
Quem continuará mandando no país vai ser Lula. Dilma diz que ela é o Lula. Então as coisas continuarão como estão, com a mesma corrupção, o mesmo manejo da coisa pública.

- Imaginava voltar às ruas em defesa da democracia?
A gente fica frustrado, depois de uma longa luta em prol da democracia, ver o que estamos vendo. E acho que não temos democracia, até pela maneira pela qual se conduz a vida pública, onde um grupelho toma conta do governo, pondo nele seus parentes, seus amigos... Não é o governo do povo. Veja a própria constituição do Supremo Tribunal Federal, onde não se fez uma consulta maior para a escolha dos ministros. Ela foi pessoal, feita pelo próprio presidente. Leis passam na Câmara e no Senado, por atuação da presidência da República, que transformou o Legislativo em algo sem a menor expressão. [...] Quem manda no país, passa por cima das leis é ele, Lula. Vai eleger a presidenta que fará o que ele quiser.

- Como vê Lula?
Um homem inteligente, que poderia usar essa inteligência para implementar e fortalecer a democracia no país, mas optou por incrementar o poder pessoal. [...] Ele sempre mandou no partido, afastou as lideranças que pudessem competir com ele. É o dono, sente-se acima do bem e do mal.

- Os escândalos e o ‘eu não sabia’:
Ele sabia de tudo, deixou as coisas escaparem. A oposição não atuou e, hoje, chegamos onde estamos.

- Incompetência da oposição?
Foi inexistência de oposição.

- A saída do PT, em 2005:
Saí porque achei que o partido não estava trilhando a estrada que havia traçado no seu nascedouro. Ele deixou de representar o povo. Pode até ter o voto do povo, mas representa os interesses daqueles que o comandam.

- Lula e a imprensa:
Olha, Lula vive dizendo que a imprensa o prejudica. Eu acho que é o contrário. [...] A imprensa tem ajudado Lula e seus candidatos. Você não pega um jornal, um programa de televisão, que não exiba um retrato dele. O povo não vê o que está escrito além dá manchete. Funciona como propaganda.

- Lula e a popularidade:
Mis-en-scène...

Pergunto: com tudo isso, o que o Brasil conseguiu, do ponto de vista internacional?

Zero. A questão da popularidade não tem relação com a eficiência. Olha o caso do Irã. Tem maior vergonha do que isso? Nossa política externa é péssima. O Brasil não conseguiu colocar uma pessoa em cargo relevante no conceito internacional. Em matéria de Direitos Humanos, botaram lá em Genebra uma pessoa que jejuna nessa área. E onde estão os direitos humanos no Brasil, onde o presidente aceita que a Lei de Anistia contemple também torturadores?

- E a compra de 36 aviões de caça?
Uma brincadeira, desperdício de dinheiro público...

- O ‘ato contra o golpismo midiático’, com CUT, UNE, movimentos sociais e políticos governistas:
Lula sempre diz que há uma revolução midiática para retirá-lo do poder. Os pelegos dele é que fizeram o movimento em contrário ao nosso.

- O manifesto pró-liberdade de expressão: Ontem, mais de 20 mil pessoas já tinham assinado o nosso documento. A semente foi plantada, e agora depende da sociedade. Porque o problema é também de pós-eleição. Repetindo o que já foi dito: se você não vigia, não tem democracia. Deve-se vigiar permanentemente quem governa o país, para que não haja desvios. Seja quem for eleito, independentemente do partido político.

- Vê méritos neste governo?
A questão é: o que o governo pretende com sua atuação? Para mim, só autoritarismo.

- O convívio com Lula:
Sim, mas os tempos mudaram completamente. Ele acabou com as lideranças do partido, e lançou uma pessoa que nem era do partido, tradicionalmente, à presidente. Hoje o PT não tem diferença nenhuma dos outros partidos.

sábado, 25 de setembro de 2010

Em editorial, o Estado de S. Paulo apóia Serra

A acusação do presidente da República de que a Imprensa “se comporta como um partido político” é obviamente extensiva a este jornal. Lula, que tem o mau hábito de perder a compostura quando é contrariado, tem também todo o direito de não estar gostando da cobertura que o Estado, como quase todos os órgãos de imprensa, tem dado à escandalosa deterioração moral do governo que preside.

E muito menos lhe serão agradáveis as opiniões sobre esse assunto diariamente manifestadas nesta página editorial. Mas ele está enganado. Há uma enorme diferença entre “se comportar como um partido político” e tomar partido numa disputa eleitoral em que estão em jogo valores essenciais ao aprimoramento se não à própria sobrevivência da democracia neste país.

Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, o Estado apoia a candidatura de José Serra à Presidência da República, e não apenas pelos méritos do candidato, por seu currículo exemplar de homem público e pelo que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos. O apoio deve-se também à convicção de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País.

Efetivamente, não bastasse o embuste do “nunca antes”, agora o dono do PT passou a investir pesado na empulhação de que a Imprensa denuncia a corrupção que degrada seu governo por motivos partidários. O presidente Lula tem, como se vê, outro mau hábito: julgar os outros por si. Quem age em função de interesse partidário é quem se transformou de presidente de todos os brasileiros em chefe de uma facção que tanto mais sectária se torna quanto mais se apaixona pelo poder.

É quem é o responsável pela invenção de uma candidata para representá-lo no pleito presidencial e, se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da companheirada. É sobre essa perspectiva tão grave e ameaçadora que os eleitores precisam refletir.

O que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de dividendos sociais. Isso todos os candidatos prometem e têm condições de fazer. O que o eleitor decidirá de mais importante é se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção.

Não precisava ser assim. Luiz Inácio Lula da Silva está chegando ao final de seus dois mandatos com níveis de popularidade sem precedentes, alavancados por realizações das quais ele e todos os brasileiros podem se orgulhar, tanto no prosseguimento e aceleração da ingente tarefa – iniciada nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique – de promover o desenvolvimento econômico quanto na ampliação dos programas que têm permitido a incorporação de milhões de brasileiros a condições materiais de vida minimamente compatíveis com as exigências da dignidade humana.

Sob esses aspectos o Brasil evoluiu e é hoje, sem sombra de dúvida, um país melhor. Mas essa é uma obra incompleta. Pior, uma construção que se desenvolveu paralelamente a tentativas quase sempre bem-sucedidas de desconstrução de um edifício institucional democrático historicamente frágil no Brasil, mas indispensável para a consolidação, em qualquer parte, de qualquer processo de desenvolvimento de que o homem seja sujeito e não mero objeto.

Se a política é a arte de aliar meios a fins, Lula e seu entorno primam pela escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder. Para isso vale tudo: alianças espúrias, corrupção dos agentes políticos, tráfico de influência, mistificação e, inclusive, o solapamento das instituições sobre as quais repousa a democracia – a começar pelo Congresso.

E o que dizer da postura nada edificante de um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação? Este é o “cara”. Esta é a mentalidade que hipnotiza os brasileiros. Este é o grande mau exemplo que permite a qualquer um se perguntar: “Se ele pode ignorar as instituições e atropelar as leis, por que não eu?”

Este é o mal a evitar.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A democracia de Lula

De Merval Pereira

Dando como liquidada a fatura eleitoral, com a eleição de sua candidata no primeiro turno, o presidente Lula resolveu soltar seus cachorros para cima dos que ainda resistem ao que pretende ser uma razia às hostes inimigas: os meios de comunicação e os partidos oposicionistas que têm a ousadia de andar elegendo senadores e governadores em alguns estados pelo país.

Em Minas, por exemplo, onde o ex-governador Aécio Neves, além de se eleger para o Senado, está elegendo seu candidato ao governo e mais o ex-presidente Itamar Franco para a segunda vaga do Senado, Lula foi em socorro de Hélio Costa, do PMDB, candidato de sua coligação, e para tal resolveu ameaçar os prefeitos que apoiam Antonio Anastasia.

Disse explicitamente que não será um candidato do DEM ou do PSDB que conseguirá trazer do governo federal petista as melhores verbas para Minas.

A linguagem de cabo-eleitoral estava na boca de quem pode concretizar a ameaça, neste e num próximo governo petista.

Uma atitude antirrepublicana a coroar tantos procedimentos aéticos cometidos pelo presidente da República durante a campanha eleitoral.

A reação negativa que provocou nos políticos mineiros, ciosos de seus compromissos com o estado a ponto de rejeitarem a candidatura Serra por a imaginarem em oposição aos interesses de Minas, foi imediata e pode se refletir em uma rejeição também ao PT.

Esse procedimento autoritário já acontecera em outros estados em que a oposição está vencendo, como quando disse em Santa Catarina que é preciso "extirpar o DEM", ou quando, em Pernambuco, foi grosseiro com o ex-vice-presidente Marco Maciel chamando-o de "marco zero", ou quando vai ao Rio Grande do Norte espezinhar especificamente o senador José Agripino Maia, do DEM.

Como sempre nessas ocasiões, o presidente Lula extrapola a luta partidária para se colocar em uma arena em que a regra é matar ou morrer, e para tanto se utiliza dos instrumentos do governo, como a TV estatal que filma todos os seus comícios para uso interno, ou as inaugurações improvisadas para estar à noite, "fora do expediente", nos comícios de sua candidata previamente marcados em combinação com a agenda oficial.

Com seu comportamento marcadamente antirrepublicano, abusando do poder político que a presença eventual na Presidência da República lhe dá, e das regalias que o cargo lhe concede, Lula vai manchando essa campanha eleitoral e a provável vitória da candidata oficial.

E se irrita com os meios de comunicação que não se submetem a seus caprichos absolutistas, invertendo o sentido da História, como, aliás, é seu hábito fazer.

Ao discursar num comício ao lado da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, em Campinas, sábado passado, Lula vituperou contra jornais e revistas que, segundo ele, "se comportam como se fossem partido político", e chegou ao auge de seus delírios de grandeza ao afirmar que ele, sim, formava a "opinião pública".

Usou o plural majestático "nós" para se referir a si próprio e aos presentes ao comício como "a opinião pública", que não precisa mais de "formadores de opinião" para se decidir.

Nas duas ocasiões — quando se dispõe a aniquilar a oposição e quando fala mal dos meios de comunicação — Lula está renegando suas próprias palavras, o que também já se tornou um hábito.

Ao final da campanha de 2002, vitorioso nas urnas, Lula fez questão de, em seu primeiro pronunciamento público, ressaltar que "a Justiça Eleitoral e a participação imparcial do presidente Fernando Henrique Cardoso no processo eleitoral contribuíram para que os resultados das eleições representassem a verdadeira vontade do povo brasileiro".

Já com relação à imprensa, o presidente Lula, em 3 de maio de 2006, conforme relembrou em nota de protesto a Associação Nacional dos Jornais, declarou ao assinar a declaração de Chapultepec, um compromisso com a liberdade de expressão, que devia "à liberdade de imprensa do meu país o fato de termos conseguido, em 20 anos, chegar à Presidência. Perdi três eleições. Eu duvido que tenha um empresário de imprensa que, em algum momento, tenha me visto fazer uma reclamação ou culpando alguém porque eu perdi as eleições."

Ao declarar que ele sim representa a "opinião pública" junto com o seu povo, o presidente Lula tenta inverter os termos da equação, distorcendo a própria gênese da "opinião pública", ligada ao surgimento do Estado moderno no século XVIII, quando as forças da sociedade passaram a exigir espaço para suas reivindicações contra o absolutismo do reinado.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Inversão de valores - Merval Pereira

O mais grave que está acontecendo no país não é nem mesmo o inacreditável vale-tudo em que se transformou a campanha presidencial, mas a banalização das atitudes mais perniciosas do governo nesses últimos anos, especialmente após o episódio do mensalão em 2005, e de maneira mais acentuada no segundo mandato do presidente Lula.

São praticamente oito anos solapando as instituições do país, provocando ao final um anestesiamento na sociedade brasileira, que tudo justifica porque parte de um governo popular, aprovado por mais de 80% da população.

Como se a popularidade desse a qualquer governo o direito de ignorar leis, ou mesmo que as consequências benéficas desta ou daquela política social justificassem abusos de poder, ou os atenuassem.

O governo Lula está conseguindo transformar críticas em atitudes mesquinhas e antipatrióticas, e, assim como mistura o público com o privado, confunde o líder partidário com o poder do cargo de presidente da República, sem que a sociedade se indigne.

E quem critica esse abuso de poder político nunca antes visto neste país corre o risco de ser considerado um sujeito "do contra", que não reconhece os avanços havidos.

Cada vez fica mais restrito o campo para as divergências, ao mesmo tempo em que se alargam os caminhos para o autoritarismo e a truculência do Estado.

O presidente Lula começou essa escalada autoritária depois que conseguiu escapar da crise do mensalão.

Entre o momento em que ele próprio disse que havia sido traído dentro do governo, até quando os petistas foram à tribuna do Congresso chorar literalmente de vergonha pelo que estava sendo exposto, houve no país uma indignação que poderia fazer a política andar para a frente, com reformas estruturantes e punição dos responsáveis pelo maior prejuízo institucional que o país já sofreu na História democrática recente.

Mas o presidente Lula, impossibilitado de enfrentar a crise que estava arraigada no seu partido e no seu governo, assumiu em entrevista dada em Paris a versão de que o mensalão não passava de caixa dois, prática normal na política brasileira.

A partir daí, a prometida apuração rigorosa passou a ser uma proteção desabrida de todos os envolvidos, e a promessa implícita de que ninguém sofreria prejuízos se todos se unissem num pacto de silêncio.

O presidente sistematicamente passou a mão sobre a cabeça dos aliados, fossem eles quem fossem, tivessem cometido qualquer tipo de crime.

Essa se tornou a regra do governo, como nas máfias, e acelerou-se no segundo governo Lula a montagem da máquina governamental a serviço dos "companheiros".

A defesa intransigente de qualquer malfeito de aliados é a contrapartida do apoio cego, acrítico.

Lula não teme nenhum limite legal, desmoraliza o Judiciário como fez agora nesta campanha com o TSE, e se jacta de que pode ir para as ruas quando quiser para combater seus adversários.

Foi à televisão na condição de presidente da República para exercer o papel de cabo eleitoral de sua candidata, colocando o principal adversário como um antipatriota que não pensa no bem do país.

Repetiu na segunda à noite em Santa Catarina, quando, misturando mais uma vez o cargo que ocupa com seus interesses partidários, alegou que "em nome da minha honra e da honra do meu país" não perderá as eleições.

E acrescentou que estava fazendo hoje o que fez em 2005: "Vou às ruas para derrotá-los".

Na verdade, essa ameaça de levar os movimentos sociais para as ruas para reagir ao possível pedido de impeachment nunca se concretizou, e Lula chegou mesmo a autorizar uma negociação para não se candidatar à reeleição em troca de poder terminar seu mandato.

Com a recuperação de seu prestígio graças aos bons ventos da economia mundial, Lula voltou a ser aquele líder dado a "bravatas", como ele mesmo confessou que fazia quando esteve na oposição.Inebriado com seu próprio sucesso, Lula foi adiante e, ao lado da sua candidata Dilma Rousseff, afirmou que o "DEM precisa ser extirpado" da política brasileira.

Seu rancor data ainda de 2005, quando, segundo acusou, a família Bornhausen tentou derrubá-lo do poder.

A gravidade desse episódio, além do fato de um presidente da República defender em público o extermínio de um adversário político, é que, anos antes, o então senador Jorge Bornhausen havia provocado em Lula e nos petistas um aparente sentimento de estupor quando disse que na eleição de 2006 o país precisava "se ver livre dessa raça por 30 anos".

Foi chamado de tudo: "fascista", "direitista", "adepto das ditaduras militares", "explorador e assassino de trabalhadores".

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Disputa eleitoral 2010

Não pretendo polemizar a respeito do assunto. Como diz o ditado, não se discute política, religião e futebol, pois cada um tem a sua preferência.
Só acho que tenho direito de ser diferente da maioria. Alguém já disse que toda unanimidade é burra! (desculpe a dureza do termo).
Não sou homem de partido, não sou igualmente seguidor de qualquer corrente ideológica, nem de um político específico. Sou um eleitor, digamos, sui generis; a cada campanha eleitoral, decido após olhar a floresta, sim, mas procuro ver também as árvores em particular -- aqui vai mais um ditado: o diabo está nos detalhes.
Na minha avaliação, o que está havendo é um grande equívoco. O povo está anestesiado, entorpecido. Ninguém consegue raciocinar direito. A única justificativa que se apresenta para elogiar o atual governo é o setor econômico, esquecendo-se das demais áreas, como saúde, educação, segurança.
A propaganda maciça substituiu, desde o início, o espetáculo do crescimento pelo crescimento do espetáculo, o que impressiona principalmente pessoas de baixa condição intelectual, respingando, de modo lamentável, naquelas mais esclarecidas, formadas, viajadas, as quais se esquecem de examinar, ponto por ponto, a gama de atividades que compõem um governo.
Elementos do primeiro escalão do governo, denunciados à Justiça por crimes diversos, inclusive compra de consciência de parlamentares, estão ativos nos bastidores, dando as cartas no momento eleitoral – Zé Dirceu, Palocci e outros mais.
A corrupção foi banalizada no país, a ponto de o Presidente Lula dizer, em defesa do mensalão, “e todo mundo não faz?”.
Outra frase lapidar, que está sendo usada largamente no meio político, é “eu não sabia”. Todo mundo sabe que nada se passa no âmbito do governo sem que Lula permita. Logo, a alegação de desconhecimento de qualquer fato não é concebível.
A escolha da candidata Dilma foi gerada unilateralmente na cabeça do Presidente, que a impôs, goela abaixo, ao PT e aos partidos de sua base de sustentação. Houve dissensões e toda sorte de esperneios, mas acabou valendo a vontade ditatorial do Lula.
O que vai acontecer com o Brasil após a vitória da Dilma? Um governo igual ao de Lula, capitaneado por um xerife com mão de ferro, à sombra do atual presidente, que lhe transferiu os votos, barrando toda e qualquer iniciativa de exame de atos referente ao período anterior.
E depois? Mais 8 anos de Lula Lá, tendo como correligionários aqueles políticos que, no passado, quando o PT primava pela ética, José Sarney, Jader Barbalho, Romero Jucá, Fernando Collor, eram chamados, pela esquerda raivosa, de ladrões, corruptos, bandidos e tudos mais.
Amigo Dalton, não me queira mal, mas, diante desse meu entendimento sincero, não posso votar nos candidatos do PT e, pela mesma razão, naqueles dos partidos coligados.
Um grande abraço,
Jayme Freire
www.jaymefreire.com.br

sábado, 21 de agosto de 2010

Democracia e populismo

O populismo, historicamente, é fator de despolitização de uma sociedade, qualquer sociedade. Investe no culto à personalidade, colocando-a acima dos temas e desafios – e mesmo dos padrões morais mais elementares -, alçando-a à categoria de semideus.

Ainda que possa ocorrer em regimes formalmente democráticos, o populismo tem viés autoritário, uma vez que se expressa por meio de um líder que se sobrepõe às instituições e fala diretamente ao povo. A Venezuela se apresenta como um regime democrático – e assim o diz o texto de sua Constituição – mas, como o demonstram os fatos objetivos, não o é.

Frequentemente, as instituições são atropeladas pela fala do líder, Hugo Chávez, que se posiciona como “pai” da população. Nessa condição, censura a imprensa, prende adversários, silencia a oposição. Getúlio Vargas era “o pai dos pobres”. Idem, Juan Domingo Perón. Idem Mussolini, Hitler e tantos mais.

Eram pais da população e as críticas a eles dirigidas vistas como afronta à família nacional.

Outro ponto característico: o populismo divide o país. É hostil à sua parcela mais politizada, demonizada no discurso oficial como opressora da porção despolitizada. É fácil entender: quanto mais politizada população, mais infensa ao populismo.

O PT, ao se constituir, nos anos 80 do século passado, era crítico ferrenho do populismo. Lula recusou diversas vezes uma maior aproximação com Brizola por considerá-lo populista, herdeiro do varguismo, incompatível com o sindicalismo moderno que então expressava. Esse, aliás, foi um fator que o projetou como a grande novidade política do país.

No poder, porém, não resistiu à sedução da popularidade. Investiu na estratégia populista e divisionista e chega agora ao paroxismo do processo: apresenta-se como o “pai” do povo, a quem transmitirá como legado “uma mãe”, sua candidata à Presidência, Dilma Roussef. A eficácia eleitoral mede-se nas pesquisas, mas os prejuízos políticos são imensuráveis.

Despolitiza a campanha, reduzindo-a a mera disputa por fragmentos do prestígio do presidente, transformado em orixá pela máquina de propaganda oficial. Os temas essenciais são postos de lado ou vagamente tangenciados. As alianças estaduais são relativizadas e os paradigmas programáticos simplesmente inexistem. O resultado é a desorganização do quadro político-partidário. Desorganização da política, caminho mais fácil para o autoritarismo.

Diante de uma plateia de trabalhadores rurais, a candidata do PT põe o boné do MST e condena a criminalização dos movimentos sociais. Já quando a plateia é de produtores rurais, diz o contrário: condena as invasões de terras e diz que não permitirá que a lei seja descumprida. Jura fidelidade à liberdade de imprensa e rubrica um programa de governo que institui o “controle social da mídia” e institui instâncias de punição.

As incongruências não precisam ser explicadas. Basta dizer que tem o apoio de Lula e que Lula tem o apoio de mais de 70% da população. A política torna-se instância estatística, sem compromissos com outros valores. É um filme antigo, que já se supunha fora de cartaz, mas cujo final não costuma ser feliz.

Ruy Fabiano é jornalista

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Abre as asas sobre nós

Deve-se, então, limitar a liberdade do indivíduo para que ele não se torne nocivo aos demais.
(John Stuart Mill, “A liberdade”)

O humorista está proibido de satirizar os políticos; os pais estão proibidos de dar palmadas nos filhos; os torcedores de futebol estão proibidos de brigar a menos de 5 km. dos estádios; os políticos de ficha suja estão proibidos de se candidatar a cargos eletivos; as pessoas estão proibidas de fumar em recintos públicos; não se pode beber e dirigir.

Alguém pode ser contra medidas tão morais, tão higiênicas, saudáveis e anti-discriminatórias?

A questão, na verdade, não é essa. A questão é a que o psicanalista Contardo Calligaris colocou cirurgicamente na sua coluna na “Folha de S.Paulo” desta semana, num artigo sobre a lei da palmada: “Pergunta: para que servem leis que pouco mudam o quadro legal e só explicitam e particularizam proibições que já vigem de modo geral”?

Esse é o problema da excessiva intromissão do Estado na vida dos cidadãos : ele entra em minudências coercitivas da vida particular das pessoas e reitera que é delito aquilo que já era assim definido em outras leis. Ou seja: não há novos delitos, há novas leis, novos regulamentos, novas proibições, inclusive do que já era proibido.Ou antes da existência da Lei da Ficha Limpa o político podia fraudar ou roubar ? Ou antes do Estatuto do Torcedor as torcidas organizadas podiam se massacrar longe, perto ou dentro do estádio ? Ou os bêbados podiam atropelar e matar as pessoas? Ou os pais podiam espancar seus filhos ? Ao criminalizar cada vez mais minuciosamente as transgressões,duplicando ou triplicando a sua tipificação, o Estado faz com que aumente a sensação geral de impunidade.Quanto mais crimes a punir, menos crimes punidos.

Por conveniências políticas, as leis,os regulamentos,os estatutos,as normas, são feitos a toque de caixa, acabam se sobrepondo a leis maiores, às vezes até conflitam com elas, e criam um emaranhado legal cheio de contradições , fissuras, inconsistências e ambiguidades por onde advogados ladinos podem transitar com facilidade e aliviar a vida de seus clientes.

Quanto tempo vai demorar,por exemplo, para que a sociedade se desencante com a Lei da Ficha Limpa? Os legisladores correram para redigi-la e aprová-la a tempo de aplacar o clamor popular que exigia urgência para a medida moralizadora, e na pressa entregaram uma lei com tantas ressalvas,tantos buracos e tão confusa que dificilmente escapará de muitas contestações e alguma declaração de inconstitucionalidade.

Quando Garotinhos, Barbalhos, Malufs e Rorizes começarem a escapar pelos buracos abertos na malha da lei e aparecerem lépidos e fagueiros nas urnas eletrônicas, e depois nas cerimônias de diplomação, todas as boas almas que pressionaram o Congresso irão se juntar às legiões de desencantados que já acham que este País não tem jeito.E a sensação de impunidade ficará mais pesada e difícil de carregar.

Não precisamos de tantas leis e nem de tanta interferência do Estado na nossa vida.Nao precisamos de tutela, precisamos de eficiência.Se as leis que já existem fossem cumpridas , o País seria outro.



Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez.

e.mail: svaia@uol.com.br

domingo, 1 de agosto de 2010

Frase do Dia

Acho um governo nefasto (o governo Lula). Porque cooptou e paralisou o movimento popular. Cooptou as lideranças, transformou os movimentos em ONGs, terceirizou uma série de serviços que são do Estado como forma de transpassar dinheiro para as entidades.

Plínio de Arruda Sampaio, candidato do PSOL a presidente da República

quinta-feira, 3 de junho de 2010

As expectativas por Luiz Fernando Verissimo

Cada Copa do Mundo é diferente e - no Brasil - cada pré-Copa também. Mudam as manifestações de esperança ou dúvida que acompanham nossa seleção, de acordo com a expectativa do momento. E raramente a realidade corresponde à expectativa.

Depois do bi-campeonato mundial de 58 e 62, fomos para a Copa de 66 convencidos da nossa invencibilidade. Afinal, tínhamos não apenas o melhor jogador em atividade no mundo mas o melhor jogador em atividade no mundo com 25 anos. Mas quebraram o Pelé na Copa de 66 e o time desmoronou.

Em 70 a seleção viajou para o México em meio a uma descrença difusa mas indisfarçável. A fase de preparação fora conturbada. Tinha havido o problema com o João Saldanha, dispensado como técnico por alegadas razões políticas e substituído pelo Zagalo. O próprio Pelé não era mais uma unanimidade, e chegaram a dizer que ele não estava enxergando bem. Além da miopia do Pelé nos faltava um centroavante, pois o Tostão claramente não tinha o físico para o papel, e nossa defesa era fraca. Não podia dar certo. Deu certíssimo.

Curiosamente, quatro anos depois ninguém estava muito animado com a seleção. Não ajudou muito a declaração do Zagalo, feita em “off” mas entreouvida e transmitida, que sua única esperança era cavar faltas perto da área dos adversários e confiar nos nossos cobradores. Os cobradores não nos salvaram.

Em 78 o ceticismo geral se concentrou no capitão Coutinho e no seu linguajar tecnocrático, mas aquela Copa já tinha dono antes de começar, a Argentina. Nada teria feito muita diferença para os brasileiros, nem outro técnico, nem o jovem Falcão no lugar do Chicão.

Nenhuma seleção saiu do Brasil mais oba-obaizada do que a de 82. Era a seleção da melhor geração de craques brasileiros desde a da Copa de 50. Júnior, Falcão, Cerezzo, Sócrates, Zico, Eder... Não podia perder e perdeu. Como a de 50, aquela geração também ficou sem sua apoteose. Teve outra oportunidade no México em 86, mas aí já era tarde.

Na Itália, em 90, nascia o que o Armando Nogueira batizou, com desgosto, de a Era Dunga. Quatro anos depois, nos Estados Unidos, o desacreditado Dunga liderou uma vitória brasileira que ninguém esperava, desagravando a sua biografia mas nem assim convencendo todo o mundo.

Na Copa de 98 a realidade derrotou a expectativa de que 94 se repetiria, mas foi uma realidade tão estranha - convulsões misteriosas do Ronaldo e inéditos gols de cabeça do Zidane no último jogo - que resiste a qualquer tese, e não conta.

Ronaldo era a grande incógnita da seleção de 2002, e a vitória da seleção no Japão foi uma vitória pessoal do jogador, numa bela história de remissão que soaria inverossímil como literatura.
Finalmente, as grandes esperanças com a seleção de 2006 se justificavam. O período de preparação tinha sido empolgante. Quem poderia prever que o futebol de Ronaldinho, Kaká e os outros desapareceria como flocos de neve no verão alemão?

E vamos para a Africa do Sul cheios de... O que, exatamente?
Entusiasmo, digamos, reticente, ou desesperança resignada? Certeza só a do Dunga, que ou volta definitivamente acreditado ou desacreditado para todo e sempre.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Jucá na mira do Supremo

Um dos maiores opositores à Ficha Limpa, senador é acusado de cometer ilícitos tributários

Diego Abreu e Josie Jeronimo:

Enquanto a Polícia Federal (PF) pede à Justiça a prorrogação de um inquérito contra o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), o senador articula o adiamento da votação do Ficha Limpa, o que enterraria a possibilidade de o projeto valer nas eleições de outubro.

A proposta que veta a candidatura de políticos com histórico criminal deve ser apreciada amanhã, embora o líder do governo já tenha afirmado que o assunto não é prioridade.

Na mesma semana em que o Senado discute o Ficha Limpa, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deve analisar o pedido de prorrogação do prazo para a investigação contra Jucá, conduzida pelo delegado José Antônio Amaral Neto.

O parlamentar também responde a outros processos no STF, mas nunca foi condenado. Em caso de punição no futuro, a aprovação do Ficha Limpa poderia inviabilizar a continuidade de sua carreira política.

Em 22 de março, a PF abriu inquérito para apurar denúncia recebida pelo Ministério Público Federal (MPF) em Roraima de que os gestores da TV Caburaí — que já teve Jucá no quadro de sócios — “teriam praticado uma série de ilícitos tributários, tais como o desvio de contribuições previdenciárias descontadas dos empregados”, segundo despacho da procuradora Laura Gonçalves Tessler.

De acordo com o inquérito, para se livrar de dívidas e complicações tributárias, o senador teria transferido a empresa para o nome de seus filhos, apontados como atuais controladores da TV.

“Em face da notícia sobre a possível prática de crime de falsidade ideológica, supostamente para ocultar crimes contra a ordem tributária e contra a Previdência Social, requisite-se instauração de inquérito policial”, despachou o procurador Rodrigo Golívio Pereira, em 5 de março.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Pará - Auditorias do PT detonam governo do PT

Nunca antes na história do Pará – quem sabe do Brasil – se viu algo parecido.

Auditorias comandadas pelo PT, feitas em secretarias de estado e autarquias públicas do governo de Ana Júlia Carepa (PT), apontam um mar de corrupção em todos os setores da administração pública paraense.

Na Secretaria de Educação, mais de R$ 900 milhões foram gastos em obras realizadas sem licitação; na Secretaria de Transportes, em apenas duas obras a Auditoria Geral do Estado (AGE), foram encontradas irregularidades que, somadas, superam R$ 100 milhões.

Os documentos referentes às auditorias foram entregues na semana passada à Assembléia Legislativa do Pará pela ex-auditora-chefe da AGE, Tereza Cordovil – exonerada do cargo pela governadora Ana Júlia – e trazidos ao publico, ontem, dia 13, pela presidente da Comissão de Finanças da Assembléia Legislativa, deputada Simone Morgado (PMDB).

As fraudes são assustadoras. Na Secretaria de Educação, por exemplo, do total da execução orçamentária previsto para 2008, por tipo de licitação, apenas 17,18% passaram por processo licitatório, sendo que 5,12% foram dispensa de licitação, percentual superior ao somatório das demais modalidades: convite, tomada de preços e concorrência, que totalizaram 4,14%.

A execução orçamentária, no item que aponta “licitação não aplicável”, totalizou 82,82% dos recursos da Seduc, registrados no Siafem.

Segundo a Auditoria Geral do Estado (AGE) existe a possibilidade de ocorrências indevidas de registros no sistema, podendo assim, omitir situações de dispensa em número e proporção acima do registrado (5,12%). Os 82,82% correspondem a bagatela de R$ 907.900,492,89.

O governo de Ana Júlia Carepa, segundo mostram as auditorias, fraudou até contratos da merenda escolar das crianças da rede pública do Pará.

É o que exibe, às claras, o contrato firmado entre a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) e as empresas Distribuidora Brasil Ltda., Alibra e ATV, auditado pela Auditoria Geral do Estado (AGE) e encaminhado à Assembléia Legislativa pela demissionária ex-auditora-chefe, Tereza Cordovil.

Do contrato, no valor de R$ 9,1 milhões, o governo Ana Júlia pagou R$ 5,7 milhões, mas somente 39,2% do contrato foram executados - devidamente entregues à Seduc -, segundo o relatório da AGE.

Os auditores também comprovaram “fragilidade do planejamento na aquisição da merenda escolar”, “pagamento antecipado a fornecedores, caracterizando favorecimento”; “aquisição de merenda escolar sem formalização contratual” e “ausência de baixa no controle de material.”

Em outra auditoria feita na Secretaria de Educação entre os dias 10 de novembro e 18 de dezembro de 2009, constatou-se que houve superfaturamento de R$ 1.873.300,00 na aquisição de kits escolares –, que a governadora Ana Júlia distribuiu aos milhares em todas as regiões do Estado, num escândalo que resultou em Ação Civil Pública por improbidade administrativa movida contra autoridades do governo pelo Ministério Público Federal e que acabou na demissão da então secretária de Educação, Billa Gallo.

Na análise do contrato 167/2008, os auditores do estado encontraram irregularidades no contrato firmado, por R$ 7.920,000,00, com a empresa IK Barros e Cia Ltda. para o fornecimento de kits escolares para o governo. Após exaustivas análises, chegou-se a seguinte conclusão na AGE:

1 – Houve direcionamento do objeto por inexigibilidade de licitação;

2 - Autorização de despesa por pessoa sem competência legal;

3 - Alteração do contrato sem amparo legal, através de errata no Diário Oficial, alterando o prazo de vigência de dois meses e meio para dois anos e o valor de R$ 825.000,00 para R$ 7.920.000,00;

4 - Ausência de identificação das escolas beneficiadas nos processos de aquisição do programa "TV Pará Educar";

5 - Superfaturamento da despesa no valor R$1.873.300,00;

6 - Inexecução contratual e inefetividade do gasto público;

7 – Utilização orçamentária indevida para execução do "TV Pará educar".

As fraudes com dinheiro público na Secretaria de Estado de Transportes (Setran) superam R$ 100.000,000,00 (Cem milhões de reais), segundo a Auditoria Geral do Estado (AGE), do governo do PT.

A mãe de todas as irregularidades ocorreu em contrato firmado pela Secretaria de Transportes do Pará (Setran) com a empreiteira Delta Construções S/A, no valor de R$ 48 milhões, para restauração da rodovia PA-150, uma das mais importantes do Estado – ligando o sul do Pará à região metropolitana.

Os auditores comprovaram que o contrato foi assinado de forma indevida “por se basear em concorrência pública revogada”. A conclusão é de auditoria feita na Setran, no período de julho a setembro de 2008.

A concorrência pública 010/2006 que previa a restauração da rodovia PA-150 nos subtrechos localizados entre o entroncamento da PA-151 até Eldorados dos Carajás, Xinguara e Redenção foi revogada pelo então governador do Estado, Simão Jatene (PSDB), três dias antes de passar o governo para a atual governadora Ana Júlia Carepa (PT).

O ato da revogação da concorrência foi publicado no Diário Oficial do Estado número 30.832, de 28 de dezembro de 2006.

Outro contrato feito pela e cheio de irregularidades teve a ver com rodovia PA-154, no trecho entre Camará e Cachoeira do Arari, e a rodovia PA-395, obras contratadas junto ao Consórcio Marajoara por R$ 53,4 milhões para a implantação e pavimentação com asfalto.

Inspeção física realizada somente na PA-127 constatou que foram executados apenas 10 km de pavimentação com asfalto dos 30 km contratados e que alguns trechos encontram-se deteriorados.

A auditoria realizada na Setran detectou uma série de irregularidades no contrato, como a ausência de detalhamento no Plano de Trabalho omitindo, por exemplo, os trechos que teriam intervenções, suas localizações exatas e o tipo de serviço, remendo ou pavimentação de forma contínua, o que impediu a análise do bom uso dos recursos públicos.

Constatou-se também a existência de "trechos com revestimento asfáltico não executado ou deteriorado" e o "pagamento em duplicidade do trecho localizado entre os municípios de Xinguara e Redenção.

De acordo com o Siafem, foram pagos R$ 28.644.617,51, equivalentes a 53,63% do total contratado, havendo um saldo contratual de R$ 24.767.561,94, mas o prazo de vigência do contrato expirou em 31/12/2008, dizem os auditores da AGE.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Hotel dinamarquês tem esquema de "pedaladas" para gerar energia

Publicidade da Reuters, em Copenhague

Um hotel dinamarquês lançou um esquema pioneiro de geração de eletricidade com pedaladas e espera que a ideia ganhe adesão em outros países.

O Crowne Plaza Copenhagen Towers, a 15 minutos de distância do centro da capital dinamarquesa e a cinco minutos do principal aeroporto da Escandinávia, instalou duas bicicletas ergométricas acopladas a geradores.

Os hóspedes serão convidados a exercitar-se nas bicicletas, e, se gerarem eletricidade suficiente, ganharão uma refeição gratuita.

Divulgação

Hotel dinamarquês oferece refeições em troca de pedaladas em bicicleta ergométrica, para gerar energia para o estabelecimento

A partir de junho, os hóspedes poderão correr contra o sistema de painéis solares do hotel, que tem 366 apartamentos, em uma tentativa de gerar mais eletricidade que os painéis.

"Quem conseguir gerar 10 ou mais watts-hora de eletricidade para o hotel receberá uma refeição de cortesia, incentivando os hóspedes a ficar em forma, reduzir sua pegada de carbono e poupar eletricidade e dinheiro", disse o hotel em comunicado.

Uma porta-voz do hotel, Frederikke Tommergaard, disse que a refeição de cortesia será oferecida apenas a hóspedes do hotel, e não visitantes não hospedados.

O valor da refeição --qualquer um dos pratos principais do restaurante do hotel ou do cardápio do bar no saguão --é de aproximadamente 240 coroas dinamarquesas (US$ 44), disse ela à Reuters.

As bicicletas ergométricas vão começar a funcionar em 19 de abril, e o plano é testar a ideia por um ano, com vistas a estendê-la a outros hoteis da rede Crowne Plaza, que integra o grupo InterContinental Hotels.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A nuvem negra sobre a Igreja Católica

De Sandra Paulsen

A gente aceita melhor um crime que parte de um criminoso comum, do que qualquer delito cometido por alguém em quem confiamos.

Em dez anos de Suécia, dou-me conta de que aceito com maior facilidade ler nos jornais, sobre a violência aí no Brasil , do que sobre um acidente de trânsito aqui. É como se, de um país desenvolvido, rico, espera-se sempre mais...

Com essa mesma lógica, tenho enorme dificuldade em conformar-me com as notícias sobre a pederastiano seio da Igreja Católica.

Dela, apesar do passado da Inquisição, das Cruzadas, do alheiamento quanto à escravidão e de tantos outros erros históricos cometidos, ainda espero algo bom.

As denúncias sobre pedofilia, pederastia e exercício ativo da sexualidade de padres me escandalizam, me comovem, me revoltam, me dão nojo, me assustam. Muito mais do que outras horríveis notícias sobre violência e abusos em qualquer lugar do mundo.

A razão? Ora, trata-se da minha Igreja!

Só consigo me tranquilizar um pouco e realizar minhas orações em paz, quando me lembro de que a hierarquia da Igreja é formada por seres humanos passíveis de erros e pecados, como todos nós.

Na missa de Quinta-Feira da Semana Santa, sentei-me no primeiro banco da catedral e não pude deixar de pensar no assunto.

Enquanto boa parte dos 162 padres da Diocese de Estocolmo se posicionavam em seus lugares, para a missa de confirmação dos votos, relembrando a escolha dos doze apóstolos, eu pensava: meu Deus, que horror!

A meu lado, meu filho adolescente me fazia lembrar dos meninos violentados e desrespeitados mundo afora. E dois filmes, La Mala Educación, de Almodóvar, e El Crimen del Padre Amaro, não saíam da minha cabeça.

Graças a Deus, minha agonia não durou muito e consegui focar minha atenção na oração.

O Bispo Anders Arborelius, um sábio, humilde e sempre em sintonia com seu tempo, abriu a missa com palavras de condenação aos padres pecadores, que mancharam, com seus atos, o nome da Santa Igreja. E, na homilia, voltou a tocar no assunto e a advogar pela faxina na Igreja e pela exclusão dos culpados.

Ser cristão, neste mundo de hoje, já não é fácil. Ser católico na Europa moderna é ainda mais complicado. Mas, é desestimulante, desencorajador, para qualquer católico, ler as notícias do México, da Irlanda, dos Estados Unidos, da Alemanha, da Itália, do Chile e de tantos outros lugares, sobre os abusos cometidos por aqueles que deveriam nos apoiar nos momentos difíceis e nos relembrar do caminho da Luz.

Devo confessar que minha Semana Santa não foi tão boa este ano...

Que a imprensa continue denunciando! Que as pessoas diretamente ofendidas e suas famílias continuem tirando os podres dos seus arquivos empoeirados e colocando tudo sobre a mesa! Que os culpados sejam levados a enfrentar o julgamento e a justiça dos homens! Que o Vaticano tenha juízo e faça a faxina necessária! E que La Mala Educación nunca mais se repita!

Pois basta um facho de luz para derrotar a escuridão. E só uma chuva muito forte, uma tempestade com muito vento, para fazer a nuvem negra desaparecer...

Porque Jesus morreu para preservar a bondade eterna no coração humano criado pelo Pai e para que, Nele, encontremos forças para amar até o fim.

Que Deus nos ajude a preservar nossa conexão com Ele, mesmo quando confrontados com a doença e a mais profunda maldade.

Erros que matam

De Míriam Leitão:

Certas cenas são haitianas. E é Niterói. O Morro do Bumba é uma espécie de resumo dos erros: era uma encosta, era uma ocupação, era um lixão. Não foi a chuva que matou, foram esses erros somados.

A tragédia dos últimos dias no Rio traz tantas lições e confirma tantos alertas que só nos dá dois caminhos: corrigir os desatinos ou assumir de vez a insensatez.

Há cinco anos, a professora Regina Bienenstein, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) esteve no Morro do Bumba para estudar a situação de risco da comunidade.

— Isso já estava anunciado — diz a professora.

Deixar uma comunidade se instalar em cima de um lixão não faz qualquer sentido, explica o engenheiro e consultor ambiental Carlos Raja Gabaglia.

Ele conta que visitou muito aterro sanitário na Alemanha. Aterro não é lixão. Aterro exige que se coloque uma manta para proteger o solo da contaminação e outra para recobrir e proteger o meio ambiente. Em cima, pode haver urbanização, jamais construções. E isso porque o terreno cede.

— O processo de decomposição do lixo e a saída do gás metano fazem com que a área fique em movimento, há um rebaixamento natural. Não é um solo confiável para se instalar uma construção. Não suporta carga de imóveis — afirma.

No lixão do Bumba, não havia qualquer manta isolante, a população ali vivia exposta aos maiores riscos.
Segundo o professor Julio Cesar Wassermann, coordenador da área de meio ambiente e desenvolvimento sustentável da UFF, a comunidade estava exposta ao metano, que pode causar intoxicação e explosões.

— O lixo orgânico, quando sofre decomposição, forma esse gás explosivo. Mesmo em lixões antigos, o metano continua sendo produzido. O deslizamento liberou o metano. Já o chorume — líquido tóxico decorrente do lixo — grande parte dele já deve ter se infiltrado no lençol freático — diz o professor.

O presidente da Associação de Policiais e Bombeiros Militares Ativos e Inativos (Assinap), Miguel Cordeiro, disse que as doenças associadas ao lixão são dengue, leptospirose, infecções intestinais, doenças de pele, verminoses, bronquite, pneumonia, alergias, tifo, hanseníase e até câncer.

Olha só a soma dos absurdos que eles estão revelando. Aquela população que foi soterrada, vivia sob risco de explosões de gás metano, exposta a doenças, num terreno instável, cujo líquido tóxico já estava contaminando o lençol freático.

O deslizamento liberou esse metano para a atmosfera. E tudo já se sabia porque o assunto tinha até sido estudado. O gás metano é o segundo maior responsável pelo efeito estufa.

Ele é 20 vezes mais potente do que o CO2, mas é emitido em volume menor. Aquele lixão adoecia, poluía, punha em risco vidas. A avalanche provocou um desastre humano e ambiental.

Cordeiro nos contou que os aterro sanitários do Rio, Niterói e São Gonçalo são na verdade lixões disfarçados, porque não foi feito o trabalho de impermeabilização.

— No caso do lixão do Bumba, quando ele foi desativado, em 1986, jogaram meio metro de terra em cima para espantar os urubus e deixaram para lá. A população carente foi ocupando o espaço e nenhuma autoridade fez nada durante esse tempo — disse.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Maus atores na tragédia

Do blog do Alon:

Qual é o curso mais adequado para quem deseja seguir a carreira política? Administração pública? Direito? Ciências sociais com pós-graduação em ciência política? Economia? Jornalismo? Talvez Engenharia civil?

Pensando bem, certo seria tascar “nenhuma das anteriores”. A formação mais útil para o político é artes cênicas ou dramáticas. A política é antes de tudo um teatro.

O Rio de Janeiro foi arrebentado pelas chuvas nos últimos dias. O jornalismo moderno proíbe a expressão, mas aqui ela cabe: chuvas torrenciais.

Quando calamidade parecida atingiu com força o município fluminense de Angra dos Reis, em janeiro, notei que o PT ficou quietinho, ao contrário do que acontecera em São Paulo dias antes.

Pois no Rio o partido navegava nas águas do governo Sérgio Cabral (PMDB), enquanto em SP era oposição ao então governador José Serra.

Há alguma injustiça em o PT atacar ferozmente o PSDB pelas enchentes em SP? Nenhuma. Atacou foi pouco.

Governantes precisam ser criticados com a contundência necessária para tomarem as providências exigidas pela situação.

Importa menos se as críticas são justas ou injustas: elas devem ser suficientes para romper a inércia do poder, cuja primeira reação é invariavelmente achar que “tudo está bem”. Ou eximir-se de responsabilidade, quando não dá para fingir que está tudo bem.

Existe algo mais patético do que o pseudolíder choramingar, na hora do aperto, um meloso “a culpa não é minha”? Ou um revoltante “a culpa é do povo”?

O eventual melindre do presidente, governador ou prefeito não tem nenhuma relevância quando comparado ao sofrimento do sujeito que vê o resultado de uma existência de sacrifícios ser levado pela água. Isso quando a água não leva a vida do ente querido.

A precariedade dos atores e do enredo fica mais visível quanto mais crítica é a situação. O governante se acha esperto quando tenta repassar aos antecessores tudo que há de ruim ou problemático. Mas agora no Rio está um pouco mais difícil.

A responsabilidade não é do governador Sérgio Cabral, pois ele é aliado do governo federal. Uma alternativa seria colocar a culpa em Anthony e Rosinha Garotinho, que vieram antes de Cabral e administraram cada um durante quatro anos. Mas os Garotinho estão no PR e apoiam a candidata do PT, Dilma Rousseff.

Bem, ufa!, teve o tucano Marcello Alencar entre 1995 e 1998. E antes de Alencar? Entre 1991 e 1994 o governador foi Leonel Brizola, que já governara o Rio de 1983 a 1987.

Só que não dá para falar mal de Brizola quando um herdeiro político dele, Carlos Roberto Lupi, comanda o PDT e está de armas e bagagens na candidatura governista.

Sobrou alguém? O peemedebista Moreira Franco, que governou entre 1987 e 1991. Mas ele também integra hoje a base de Lula, tem um cargo bacana no governo federal e compõe o núcleo duro do PMDB que manda.

Eis o rol dos governos no Rio desde a redemocratização.

Se não dá para culpar ninguém terreno, presente ou pretérito, vai acabar sobrando para Deus. Ele que se vire. A regra é simples e de fácil aplicação.

A inundação é no governo do adversário? A culpa é dele. A inundação é no nosso, ou no de um amigo nosso? A culpa é d'Ele.

domingo, 28 de março de 2010

O exemplo de Lula

De Merval Pereira:

O descaso com que o presidente Lula trata as condenações que recebeu do Tribunal Superior Eleitoral resume bem o estado de complacência moral em que o país se debate, gerando o esgarçamento de seu tecido social com graves repercussões.

Está se impregnando na alma brasileira uma perigosa leniência com atos ilegais, que acaba tendo repercussões desastrosas no dia-a-dia do cidadão comum, que passa a considerar a “esperteza” como um atributo importante para vencer na vida.

Em vez de usar seu imenso prestígio junto ao eleitorado para dar o exemplo de cidadania, de respeito às leis, o presidente Lula vem, não é de hoje, confrontando publicamente as instituições que considera obstáculos a seus objetivos políticos, não apenas os meios de comunicação, a chamada “mídia”, mas principalmente órgãos encarregados da fiscalização dos atos governamentais.

Já em 2008, em Salvador, chegou a dizer um palavrão em público criticando a lei eleitoral que dificulta suas viagens pelo país.

Àquela altura ele já desdenhava das possíveis punições, fingindo ensinar ao povo como deve se comportar para não ferir a lei eleitoral.

Quando a torcida organizada começa a gritar o nome da ministra Dilma, ele se faz de desentendido: “(...) a gente não pode transformar num ato de campanha. É um ato oficial, é um ato institucional. (...) vocês viram que eu, por cuidado, não citei nomes. Vocês é que, de enxeridos, gritaram nomes aí. Eu não citei nomes”.

Igualzinho ao que continua fazendo, mesmo depois de multado.

Nos comícios, não é raro o presidente criticar o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público, por supostos entraves que imporiam à execução de obras, e chegou até mesmo a defender a alteração da Lei das Licitações, uma legislação que foi criada depois dos escândalos do governo Fernando Collor, exatamente para coibir a corrupção.

“Aqui no Brasil se parte do pressuposto de que todo mundo é ladrão”, disse o presidente certa vez, com a mesma atitude complacente com que trata os “mensaleiros” e os “aloprados”.

Lula se incomoda quando os organismos institucionais atuam para fazer o contraponto exigido pela democracia, que é o sistema de governo de pesos e contrapesos para controlar o equilíbrio entre os Poderes.

Se existe uma legislação que impede um determinado ato seu, ele tenta superá-la com a maioria parlamentar que obteve à custa da divisão do governo em verdadeiros feudos partidários.

O exemplo mais recente é o projeto de lei que transforma os recursos do programa Territórios da Cidadania, que leva a regiões do interior projetos de educação, saúde, saneamento básico e ação fundiária, em transferência obrigatória da União para cidades com menos de 50 mil habitantes, mesmo havendo inadimplência financeira com o Governo Federal, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O caráter político da medida pode ser compreendido quando se sabe que 90% das Câmaras de Vereadores estão instaladas em municípios de menos de 50 mil habitantes.

O Tribunal de Contas da União (TCU) é uma vítima recorrente da obsessão de Lula, que o acusa constantemente de atrasar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Para Lula, de fato “quem governa é o TCU, que diz que obra pode ser realizada”.

O incômodo é tão grande que chega a existir no Congresso, incentivado pelo governo, um projeto que reduz os poderes do Tribunal de Contas da União (TCU) na fiscalização, com o objetivo de impedir que o TCU paralise obras públicas, mesmo que a fiscalização encontre indícios de irregularidades graves.

Enquanto não consegue seu objetivo de neutralizar a ação do TCU, Lula vai desmoralizando suas decisões. Recentemente inaugurou a primeira parte da ampliação e modernização da Refinaria Getúlio Vargas (Repar), obra apontada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) como suspeita, um dos quatro empreendimentos da Petrobras que não poderiam receber dinheiro público em 2010 por possíveis irregularidades.

A impugnação do TCU foi incluída na Lei Orçamentária para 2010, mas recebeu o veto presidencial, que garantiu a continuidade das obras. A maioria governista na Câmara dos Deputados aprovou o veto.

Na ocasião, fez comício e tudo, com sua candidata Dilma Rousseff a tiracolo, como sempre, e usando os trabalhadores como desculpa para ter ultrapassado a decisão do TCU. “Quem vai assumir as responsabilidades e explicar para as famílias dos 24 mil trabalhadores que tudo bem, a obra foi suspensa e a gente volta mais tarde?”, discursou Dilma, defendendo a decisão do chefe, de quem não discorda “nem que a vaca tussa”, como já disse uma vez..

Foi o TCU, um órgão do Poder Legislativo, por exemplo, que levantou os gastos exorbitantes dos cartões corporativos e exigiu maior transparência nas prestações de contas.

Outro órgão que se defronta com sérias críticas presidenciais é o IBAMA. Ainda em 2007 aconteceu a citação aos bagres, que ficaria famosa como demonstração da veia ecológica do presidente Lula.

Em reunião com o Conselho Político, o presidente não escondeu a sua irritação com o Ibama por causa da demora na concessão de licença ambiental para construção de usinas hidrelétricas no Rio Madeira.

“Agora não pode por causa do bagre, jogaram o bagre no colo do presidente. O que eu tenho com isso? Tem que ter uma solução”.

Dois anos depois, Lula estava em Copenhagen, na reunião do clima, no papel de defensor da ecologia. Mas esta é uma outra história de esperteza dessa auto-proclamada metamorfose ambulante.

domingo, 14 de março de 2010

Para Lula, greve de fome sempre foi teatro

De Elio Gaspari:

Nosso guia, ou Grande Mestre, como diz a comissária Rousseff, comparou as razões dos dissidentes cubanos que fazem greve de fome às dos delinquentes das prisões nacionais.

O aspecto autoritário, intolerante e até mesmo servil da fala de Lula já foi universalmente exposto, mas resta um detalhe: a natureza farsesca de seu próprio recurso à greve de fome.

Em 1980, quando penou 31 dias de cadeia que ajudaram-no a embolsar pelo Bolsa Ditadura um capital capaz de gerar mais de R$ 1 milhão, Lula fez quatro dias de greve de fome.

Apanhado escondendo guloseimas, reclamou: "Como esse cara é xiita! O que é que tem guardarmos duas balinhas, companheiro?"

Em 1998, quando os sequestradores do empresário Abilio Diniz fizeram greve de fome na cadeia, Lula ligou para o presidente Fernando Henrique Cardoso e intercedeu por eles: "Olha, Fernando, você vai levar para a tua biografia a morte desses caras".(Dar o mesmo telefonema para Raúl Castro, nem pensar.)

Nesse mesmo ano, quando Lula sentiu-se massacrado pelas denúncias de intimidades imobiliárias com o empresário Roberto Teixeira, saiu em busca de apoios e disse que cogitava fazer uma greve de fome. Não fez, e tanto ele como Teixeira alimentam-se bem até hoje.

Recordar é viver. Em plena ditadura, o presidente Ernesto Geisel foi confrontado por uma greve de fome de 33 presos políticos da Ilha Grande que reivindicavam transferência para o continente. Quando o jejum estava no 14º dia, Geisel capitulou: "Ceder a uma greve de fome é duro, mas eu prefiro ceder".

quarta-feira, 10 de março de 2010

Contradições de Lula

Merval Pereira:

O prestígio internacional do presidente Lula está abalado depois de sua absurda mudez diante da morte do dissidente cubano Orlando Zapata Tamayo em uma prisão, após 85 dias de greve de fome, e de sua aproximação com a ditadura teocrática de Mahmhoud Ahmadinejad, no Irã.

O jornal espanhol "El País", hoje o mais influente da Europa, que havia lhe dado o título de "homem do ano", retirou simbolicamente seu apoio com uma crítica em editorial, afirmando que o governo brasileiro poderia exercer mais pressão sobre o regime cubano, em especial na área de defesa de direitos humanos.

Antes disso, já havia publicado um artigo do editor da respeitada revista de assuntos internacionais "Foreign Policy", Moisés Naim, que colocou Lula como um dos cinco grandes hipócritas de 2009. Os outros quatro hipócritas, segundo Naim, seriam:

* Os banqueiros, que sempre desdenharam o Estado e acreditavam no mercado e que, apesar de terem sido salvos pelo Estado na recente crise internacional, não aprenderam a lição;

* O ex-primeiro-ministro inglês Tony Blair, que declarou ter "profunda repulsa" por ditadores para justificar a necessidade de tirar Sadam Hussein do poder, mesmo que não tivesse armas de destruição em massa, mas, poucos dias depois, foi ao Azerbaijão para dar uma palestra na empresa do empresário mais rico do país, e se reuniu com o ditador Ilham Aliyev, amigo de seu anfitrião;

* "Os galãs" do Partido Republicano americano, que acusaram Bill Clinton de conduta inaceitável no affair Monica Lewinski, e agora aparecem envolvidos em escândalos sexuais, como o governador da Carolina do Sul, Mark Sanford, ou o senador John Ensign;

* E os magistrados britânicos que deram ordem de prisão à ministra de Relações Exteriores de Israel, Tzipi Livni, acusada de crimes de guerra nos conflitos entre o Hamas e Israel na Faixa de Gaza, mas não acusaram Obama, Bush e Blair, por exemplo, pelos milhares de mortos no Iraque e Afeganistão.

Lula entrou na lista por não criticar as condutas autoritárias de seu amigo Hugo Chávez, e criticar as eleições democráticas ocorridas em Honduras, enquanto defende a eleição fraudada de Mahmoud Ahmadinejad no Irã.

A leniência de Lula com a ditadura de Cuba, explicitada pela amistosa visita a Fidel no mesmo dia da morte de Zapata, reforça certamente a lista de justificativas.

Ontem, a agência de notícias Associated Press (AP) divulgou uma entrevista com Lula em que ele volta a falar sobre a prisão de dissidentes cubanos. O presidente brasileiro trata Cuba como se não fosse uma ditadura, e faz comparações absurdas com o sistema judiciário brasileiro:

- Temos de respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos de prender as pessoas em função da legislação de Cuba, como quero que respeitem a do Brasil.

Ou então: "Eu gostaria que não ocorresse (prisão de presos políticos), mas não posso questionar as razões pelas quais Cuba os prendeu, como não quero que Cuba questione as razões pelas quais há pessoas presas no Brasil".

O mais grave, porém, é que Lula tratou como bandidos os presos políticos cubanos, e mais uma vez culpou o morto: "Eu acho que greve de fome não pode ser utilizada como um pretexto dos direitos humanos para libertar pessoas. Imagine se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade".

Esses comentários do presidente Lula são preocupantes porque denotam que ele faz uma confusão terrível entre regimes democráticos e ditaduras, tratando-os igualmente.

É uma confusão mais grave do que a que faz entre o público e o privado. Recentemente, para justificar as inspeções que finge fazer em obras do PAC, mal acobertando a antecipação da campanha eleitoral, disse que só com "o olho do dono" as coisas andam.

Essa confusão conceitual de Lula pode ser definida pelo princípio da contradição de Aristóteles. Com duas proposições contrárias, se uma é verdadeira a outra é falsa.

Se Lula se diz um democrata, não pode aceitar a ditadura cubana. Se aceita, não é democrata.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Carta aberta ao Presidente da República

Rio de Janeiro, 5 de março de 2010

Presidente Lula:

O senhor, no dia 24 de fevereiro próximo passado, em Havana, Cuba, ao ser interpelado sobre por qual motivo não atendera aos pedidos dos dissidentes cubanos que gostariam de conversar consigo, declarou que não recebera carta alguma e que “As pessoas precisam parar com o hábito de fazer carta, guardar para si e depois dizer que mandaram."

Para que não ocorra novamente esse desencontro, isto é, cartas enviadas e que não chegam às suas mãos, resolvi usar este espaço que para mim é nobre, e enviar-lhe uma carta aberta.

O senhor não sabia, segundo disse, que o operário cubano Orlando Zapata, de 42 anos, preso desde 2003, fazia greve de fome há exatamente 85 dias. A carta não chegou às suas mãos a tempo do senhor ir visitar Zapata e dissuadi-lo, segundo suas palavras, “de se deixar morrer por greve de fome”, não é mesmo?

Foi realmente uma pena. Cartas perdidas já deram margem a muitas tragédias. Mas para ser franca, creio que a dos dissidentes cubanos, com certeza, mesmo que lhe tivesse sido entregue pelo portador, não salvaria Zapata.

Mas foi por ter perdido a confiança nos portadores que resolvi lhe escrever esta carta aberta e informá-lo que há outros “prisioneiros de consciência” em Havana e que “estão se deixando morrer por greve de fome”. O senhor, mais do que ninguém, por já ter tentado fazer uma greve de fome, sabe o quanto de força de vontade, de obstinação e de fé naquilo que pensa é necessário para fazer uma pessoa se decidir por morrer dessa maneira tão dolorosa.

Sabemos todos, sobretudo depois desta sua última passada por Havana, do carinho que os Castros têm por si e da admiração que o senhor lhes devota. Portanto, creio que um pedido seu será atendido de pronto. Peça pela vida de Guillermo Fariñas, presidente Lula. Ele está em greve de fome pela morte de Orlando Zapata. Não deixe que outro preso por discordar de um regime político morra de fome.

Mas esse não é o único pedido que esta carta encerra: peça a eles também por Yoani Sanchez, cujo único crime é ser blogueira e dizer o que pensa e o que sente. Faça ver aos Irmãos Castro que proibir Yoani Sanchez de sair daquela ilha não vai impedir que suas idéias naveguem pelos céus e pelos mares. Não permitir que essa jovem cubana viaje para o exterior é mais que um crime abominável, é uma estupidez sem fim. Olhe como ela descreve seu pedido de permissão (permissão!) para sair em viagem:

“A senhora levanta o carimbo e o aproxima do papel para finalmente marcar que tua permissão para sair do país foi negada. “Você não está autorizada a viajar” te diz, e todos na repartição ouvem a frase que te condena a ficar reclusa nesta ilha. Nas outras mesas, os solicitantes olham para os pés para evitar que seus olhos se encontrem com os teus olhos, pois poderias estar pedindo pela solidariedade deles. Os militares que passam te examinam de alto a baixo com o olhar de quem diz ‘algo fez, para que não a deixem sair’.

(...) Não tens antecedentes penais, jamais foste condenada por um tribunal e teus delitos mais frequentes consistem em comprar queijo ou leite no mercado negro. Tua sentença é ficar atrás dos barrotes deste arquipélago, detida por essa faixa de mar que alguns ingênuos consideram uma ponte e não o fosso intransponível que realmente é. Ninguém vai te deixar sair porque és uma prisioneira com um número estampado nas costas, ainda que penses que estás com a blusa que tiraste do armário esta manhã. Estás no calabouço dos “peregrinos imóveis”, na cela dos obrigados a permanecer”.

Nunca passei por isso, presidente. O máximo de proibição que sofri foi decerto terrível e não quero passar por aquilo nunca mais: ter alguém no governo que diga o que posso ler, ouvir, cantar ou escrever. Ah! e também tinha essa coisa esdrúxula carimbada em meu passaporte, em 1965: “Válido para América do Sul, do Norte, Europa, Ásia e África. Não é válido para Cuba”. Fiquei logo indignada e a vontade que deu foi de ir para Cuba imediatamente! Ainda bem que fiquei só na vontade...

Ser impedida de sair e entrar livremente em meu país, isso eu nunca sofri. Mas o senhor pode calcular, como eu calculo, o sofrimento de Yoani Sanchez que, se não é nem de longe igual ao da mãe de Zapata ou ao da mãe de Fariñas que está vendo seu filho definhar e definhar, é uma infâmia que homens e mulheres de bem não podem assistir calados.

Desta vez a carta não foi extraviada. Nem ficou em alguma gaveta. Está aqui. É só ler.

De uma simples cidadã brasileira,

Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa