sexta-feira, 9 de abril de 2010

Erros que matam

De Míriam Leitão:

Certas cenas são haitianas. E é Niterói. O Morro do Bumba é uma espécie de resumo dos erros: era uma encosta, era uma ocupação, era um lixão. Não foi a chuva que matou, foram esses erros somados.

A tragédia dos últimos dias no Rio traz tantas lições e confirma tantos alertas que só nos dá dois caminhos: corrigir os desatinos ou assumir de vez a insensatez.

Há cinco anos, a professora Regina Bienenstein, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) esteve no Morro do Bumba para estudar a situação de risco da comunidade.

— Isso já estava anunciado — diz a professora.

Deixar uma comunidade se instalar em cima de um lixão não faz qualquer sentido, explica o engenheiro e consultor ambiental Carlos Raja Gabaglia.

Ele conta que visitou muito aterro sanitário na Alemanha. Aterro não é lixão. Aterro exige que se coloque uma manta para proteger o solo da contaminação e outra para recobrir e proteger o meio ambiente. Em cima, pode haver urbanização, jamais construções. E isso porque o terreno cede.

— O processo de decomposição do lixo e a saída do gás metano fazem com que a área fique em movimento, há um rebaixamento natural. Não é um solo confiável para se instalar uma construção. Não suporta carga de imóveis — afirma.

No lixão do Bumba, não havia qualquer manta isolante, a população ali vivia exposta aos maiores riscos.
Segundo o professor Julio Cesar Wassermann, coordenador da área de meio ambiente e desenvolvimento sustentável da UFF, a comunidade estava exposta ao metano, que pode causar intoxicação e explosões.

— O lixo orgânico, quando sofre decomposição, forma esse gás explosivo. Mesmo em lixões antigos, o metano continua sendo produzido. O deslizamento liberou o metano. Já o chorume — líquido tóxico decorrente do lixo — grande parte dele já deve ter se infiltrado no lençol freático — diz o professor.

O presidente da Associação de Policiais e Bombeiros Militares Ativos e Inativos (Assinap), Miguel Cordeiro, disse que as doenças associadas ao lixão são dengue, leptospirose, infecções intestinais, doenças de pele, verminoses, bronquite, pneumonia, alergias, tifo, hanseníase e até câncer.

Olha só a soma dos absurdos que eles estão revelando. Aquela população que foi soterrada, vivia sob risco de explosões de gás metano, exposta a doenças, num terreno instável, cujo líquido tóxico já estava contaminando o lençol freático.

O deslizamento liberou esse metano para a atmosfera. E tudo já se sabia porque o assunto tinha até sido estudado. O gás metano é o segundo maior responsável pelo efeito estufa.

Ele é 20 vezes mais potente do que o CO2, mas é emitido em volume menor. Aquele lixão adoecia, poluía, punha em risco vidas. A avalanche provocou um desastre humano e ambiental.

Cordeiro nos contou que os aterro sanitários do Rio, Niterói e São Gonçalo são na verdade lixões disfarçados, porque não foi feito o trabalho de impermeabilização.

— No caso do lixão do Bumba, quando ele foi desativado, em 1986, jogaram meio metro de terra em cima para espantar os urubus e deixaram para lá. A população carente foi ocupando o espaço e nenhuma autoridade fez nada durante esse tempo — disse.

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