domingo, 28 de março de 2010

O exemplo de Lula

De Merval Pereira:

O descaso com que o presidente Lula trata as condenações que recebeu do Tribunal Superior Eleitoral resume bem o estado de complacência moral em que o país se debate, gerando o esgarçamento de seu tecido social com graves repercussões.

Está se impregnando na alma brasileira uma perigosa leniência com atos ilegais, que acaba tendo repercussões desastrosas no dia-a-dia do cidadão comum, que passa a considerar a “esperteza” como um atributo importante para vencer na vida.

Em vez de usar seu imenso prestígio junto ao eleitorado para dar o exemplo de cidadania, de respeito às leis, o presidente Lula vem, não é de hoje, confrontando publicamente as instituições que considera obstáculos a seus objetivos políticos, não apenas os meios de comunicação, a chamada “mídia”, mas principalmente órgãos encarregados da fiscalização dos atos governamentais.

Já em 2008, em Salvador, chegou a dizer um palavrão em público criticando a lei eleitoral que dificulta suas viagens pelo país.

Àquela altura ele já desdenhava das possíveis punições, fingindo ensinar ao povo como deve se comportar para não ferir a lei eleitoral.

Quando a torcida organizada começa a gritar o nome da ministra Dilma, ele se faz de desentendido: “(...) a gente não pode transformar num ato de campanha. É um ato oficial, é um ato institucional. (...) vocês viram que eu, por cuidado, não citei nomes. Vocês é que, de enxeridos, gritaram nomes aí. Eu não citei nomes”.

Igualzinho ao que continua fazendo, mesmo depois de multado.

Nos comícios, não é raro o presidente criticar o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público, por supostos entraves que imporiam à execução de obras, e chegou até mesmo a defender a alteração da Lei das Licitações, uma legislação que foi criada depois dos escândalos do governo Fernando Collor, exatamente para coibir a corrupção.

“Aqui no Brasil se parte do pressuposto de que todo mundo é ladrão”, disse o presidente certa vez, com a mesma atitude complacente com que trata os “mensaleiros” e os “aloprados”.

Lula se incomoda quando os organismos institucionais atuam para fazer o contraponto exigido pela democracia, que é o sistema de governo de pesos e contrapesos para controlar o equilíbrio entre os Poderes.

Se existe uma legislação que impede um determinado ato seu, ele tenta superá-la com a maioria parlamentar que obteve à custa da divisão do governo em verdadeiros feudos partidários.

O exemplo mais recente é o projeto de lei que transforma os recursos do programa Territórios da Cidadania, que leva a regiões do interior projetos de educação, saúde, saneamento básico e ação fundiária, em transferência obrigatória da União para cidades com menos de 50 mil habitantes, mesmo havendo inadimplência financeira com o Governo Federal, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O caráter político da medida pode ser compreendido quando se sabe que 90% das Câmaras de Vereadores estão instaladas em municípios de menos de 50 mil habitantes.

O Tribunal de Contas da União (TCU) é uma vítima recorrente da obsessão de Lula, que o acusa constantemente de atrasar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Para Lula, de fato “quem governa é o TCU, que diz que obra pode ser realizada”.

O incômodo é tão grande que chega a existir no Congresso, incentivado pelo governo, um projeto que reduz os poderes do Tribunal de Contas da União (TCU) na fiscalização, com o objetivo de impedir que o TCU paralise obras públicas, mesmo que a fiscalização encontre indícios de irregularidades graves.

Enquanto não consegue seu objetivo de neutralizar a ação do TCU, Lula vai desmoralizando suas decisões. Recentemente inaugurou a primeira parte da ampliação e modernização da Refinaria Getúlio Vargas (Repar), obra apontada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) como suspeita, um dos quatro empreendimentos da Petrobras que não poderiam receber dinheiro público em 2010 por possíveis irregularidades.

A impugnação do TCU foi incluída na Lei Orçamentária para 2010, mas recebeu o veto presidencial, que garantiu a continuidade das obras. A maioria governista na Câmara dos Deputados aprovou o veto.

Na ocasião, fez comício e tudo, com sua candidata Dilma Rousseff a tiracolo, como sempre, e usando os trabalhadores como desculpa para ter ultrapassado a decisão do TCU. “Quem vai assumir as responsabilidades e explicar para as famílias dos 24 mil trabalhadores que tudo bem, a obra foi suspensa e a gente volta mais tarde?”, discursou Dilma, defendendo a decisão do chefe, de quem não discorda “nem que a vaca tussa”, como já disse uma vez..

Foi o TCU, um órgão do Poder Legislativo, por exemplo, que levantou os gastos exorbitantes dos cartões corporativos e exigiu maior transparência nas prestações de contas.

Outro órgão que se defronta com sérias críticas presidenciais é o IBAMA. Ainda em 2007 aconteceu a citação aos bagres, que ficaria famosa como demonstração da veia ecológica do presidente Lula.

Em reunião com o Conselho Político, o presidente não escondeu a sua irritação com o Ibama por causa da demora na concessão de licença ambiental para construção de usinas hidrelétricas no Rio Madeira.

“Agora não pode por causa do bagre, jogaram o bagre no colo do presidente. O que eu tenho com isso? Tem que ter uma solução”.

Dois anos depois, Lula estava em Copenhagen, na reunião do clima, no papel de defensor da ecologia. Mas esta é uma outra história de esperteza dessa auto-proclamada metamorfose ambulante.

domingo, 14 de março de 2010

Para Lula, greve de fome sempre foi teatro

De Elio Gaspari:

Nosso guia, ou Grande Mestre, como diz a comissária Rousseff, comparou as razões dos dissidentes cubanos que fazem greve de fome às dos delinquentes das prisões nacionais.

O aspecto autoritário, intolerante e até mesmo servil da fala de Lula já foi universalmente exposto, mas resta um detalhe: a natureza farsesca de seu próprio recurso à greve de fome.

Em 1980, quando penou 31 dias de cadeia que ajudaram-no a embolsar pelo Bolsa Ditadura um capital capaz de gerar mais de R$ 1 milhão, Lula fez quatro dias de greve de fome.

Apanhado escondendo guloseimas, reclamou: "Como esse cara é xiita! O que é que tem guardarmos duas balinhas, companheiro?"

Em 1998, quando os sequestradores do empresário Abilio Diniz fizeram greve de fome na cadeia, Lula ligou para o presidente Fernando Henrique Cardoso e intercedeu por eles: "Olha, Fernando, você vai levar para a tua biografia a morte desses caras".(Dar o mesmo telefonema para Raúl Castro, nem pensar.)

Nesse mesmo ano, quando Lula sentiu-se massacrado pelas denúncias de intimidades imobiliárias com o empresário Roberto Teixeira, saiu em busca de apoios e disse que cogitava fazer uma greve de fome. Não fez, e tanto ele como Teixeira alimentam-se bem até hoje.

Recordar é viver. Em plena ditadura, o presidente Ernesto Geisel foi confrontado por uma greve de fome de 33 presos políticos da Ilha Grande que reivindicavam transferência para o continente. Quando o jejum estava no 14º dia, Geisel capitulou: "Ceder a uma greve de fome é duro, mas eu prefiro ceder".

quarta-feira, 10 de março de 2010

Contradições de Lula

Merval Pereira:

O prestígio internacional do presidente Lula está abalado depois de sua absurda mudez diante da morte do dissidente cubano Orlando Zapata Tamayo em uma prisão, após 85 dias de greve de fome, e de sua aproximação com a ditadura teocrática de Mahmhoud Ahmadinejad, no Irã.

O jornal espanhol "El País", hoje o mais influente da Europa, que havia lhe dado o título de "homem do ano", retirou simbolicamente seu apoio com uma crítica em editorial, afirmando que o governo brasileiro poderia exercer mais pressão sobre o regime cubano, em especial na área de defesa de direitos humanos.

Antes disso, já havia publicado um artigo do editor da respeitada revista de assuntos internacionais "Foreign Policy", Moisés Naim, que colocou Lula como um dos cinco grandes hipócritas de 2009. Os outros quatro hipócritas, segundo Naim, seriam:

* Os banqueiros, que sempre desdenharam o Estado e acreditavam no mercado e que, apesar de terem sido salvos pelo Estado na recente crise internacional, não aprenderam a lição;

* O ex-primeiro-ministro inglês Tony Blair, que declarou ter "profunda repulsa" por ditadores para justificar a necessidade de tirar Sadam Hussein do poder, mesmo que não tivesse armas de destruição em massa, mas, poucos dias depois, foi ao Azerbaijão para dar uma palestra na empresa do empresário mais rico do país, e se reuniu com o ditador Ilham Aliyev, amigo de seu anfitrião;

* "Os galãs" do Partido Republicano americano, que acusaram Bill Clinton de conduta inaceitável no affair Monica Lewinski, e agora aparecem envolvidos em escândalos sexuais, como o governador da Carolina do Sul, Mark Sanford, ou o senador John Ensign;

* E os magistrados britânicos que deram ordem de prisão à ministra de Relações Exteriores de Israel, Tzipi Livni, acusada de crimes de guerra nos conflitos entre o Hamas e Israel na Faixa de Gaza, mas não acusaram Obama, Bush e Blair, por exemplo, pelos milhares de mortos no Iraque e Afeganistão.

Lula entrou na lista por não criticar as condutas autoritárias de seu amigo Hugo Chávez, e criticar as eleições democráticas ocorridas em Honduras, enquanto defende a eleição fraudada de Mahmoud Ahmadinejad no Irã.

A leniência de Lula com a ditadura de Cuba, explicitada pela amistosa visita a Fidel no mesmo dia da morte de Zapata, reforça certamente a lista de justificativas.

Ontem, a agência de notícias Associated Press (AP) divulgou uma entrevista com Lula em que ele volta a falar sobre a prisão de dissidentes cubanos. O presidente brasileiro trata Cuba como se não fosse uma ditadura, e faz comparações absurdas com o sistema judiciário brasileiro:

- Temos de respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos de prender as pessoas em função da legislação de Cuba, como quero que respeitem a do Brasil.

Ou então: "Eu gostaria que não ocorresse (prisão de presos políticos), mas não posso questionar as razões pelas quais Cuba os prendeu, como não quero que Cuba questione as razões pelas quais há pessoas presas no Brasil".

O mais grave, porém, é que Lula tratou como bandidos os presos políticos cubanos, e mais uma vez culpou o morto: "Eu acho que greve de fome não pode ser utilizada como um pretexto dos direitos humanos para libertar pessoas. Imagine se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade".

Esses comentários do presidente Lula são preocupantes porque denotam que ele faz uma confusão terrível entre regimes democráticos e ditaduras, tratando-os igualmente.

É uma confusão mais grave do que a que faz entre o público e o privado. Recentemente, para justificar as inspeções que finge fazer em obras do PAC, mal acobertando a antecipação da campanha eleitoral, disse que só com "o olho do dono" as coisas andam.

Essa confusão conceitual de Lula pode ser definida pelo princípio da contradição de Aristóteles. Com duas proposições contrárias, se uma é verdadeira a outra é falsa.

Se Lula se diz um democrata, não pode aceitar a ditadura cubana. Se aceita, não é democrata.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Carta aberta ao Presidente da República

Rio de Janeiro, 5 de março de 2010

Presidente Lula:

O senhor, no dia 24 de fevereiro próximo passado, em Havana, Cuba, ao ser interpelado sobre por qual motivo não atendera aos pedidos dos dissidentes cubanos que gostariam de conversar consigo, declarou que não recebera carta alguma e que “As pessoas precisam parar com o hábito de fazer carta, guardar para si e depois dizer que mandaram."

Para que não ocorra novamente esse desencontro, isto é, cartas enviadas e que não chegam às suas mãos, resolvi usar este espaço que para mim é nobre, e enviar-lhe uma carta aberta.

O senhor não sabia, segundo disse, que o operário cubano Orlando Zapata, de 42 anos, preso desde 2003, fazia greve de fome há exatamente 85 dias. A carta não chegou às suas mãos a tempo do senhor ir visitar Zapata e dissuadi-lo, segundo suas palavras, “de se deixar morrer por greve de fome”, não é mesmo?

Foi realmente uma pena. Cartas perdidas já deram margem a muitas tragédias. Mas para ser franca, creio que a dos dissidentes cubanos, com certeza, mesmo que lhe tivesse sido entregue pelo portador, não salvaria Zapata.

Mas foi por ter perdido a confiança nos portadores que resolvi lhe escrever esta carta aberta e informá-lo que há outros “prisioneiros de consciência” em Havana e que “estão se deixando morrer por greve de fome”. O senhor, mais do que ninguém, por já ter tentado fazer uma greve de fome, sabe o quanto de força de vontade, de obstinação e de fé naquilo que pensa é necessário para fazer uma pessoa se decidir por morrer dessa maneira tão dolorosa.

Sabemos todos, sobretudo depois desta sua última passada por Havana, do carinho que os Castros têm por si e da admiração que o senhor lhes devota. Portanto, creio que um pedido seu será atendido de pronto. Peça pela vida de Guillermo Fariñas, presidente Lula. Ele está em greve de fome pela morte de Orlando Zapata. Não deixe que outro preso por discordar de um regime político morra de fome.

Mas esse não é o único pedido que esta carta encerra: peça a eles também por Yoani Sanchez, cujo único crime é ser blogueira e dizer o que pensa e o que sente. Faça ver aos Irmãos Castro que proibir Yoani Sanchez de sair daquela ilha não vai impedir que suas idéias naveguem pelos céus e pelos mares. Não permitir que essa jovem cubana viaje para o exterior é mais que um crime abominável, é uma estupidez sem fim. Olhe como ela descreve seu pedido de permissão (permissão!) para sair em viagem:

“A senhora levanta o carimbo e o aproxima do papel para finalmente marcar que tua permissão para sair do país foi negada. “Você não está autorizada a viajar” te diz, e todos na repartição ouvem a frase que te condena a ficar reclusa nesta ilha. Nas outras mesas, os solicitantes olham para os pés para evitar que seus olhos se encontrem com os teus olhos, pois poderias estar pedindo pela solidariedade deles. Os militares que passam te examinam de alto a baixo com o olhar de quem diz ‘algo fez, para que não a deixem sair’.

(...) Não tens antecedentes penais, jamais foste condenada por um tribunal e teus delitos mais frequentes consistem em comprar queijo ou leite no mercado negro. Tua sentença é ficar atrás dos barrotes deste arquipélago, detida por essa faixa de mar que alguns ingênuos consideram uma ponte e não o fosso intransponível que realmente é. Ninguém vai te deixar sair porque és uma prisioneira com um número estampado nas costas, ainda que penses que estás com a blusa que tiraste do armário esta manhã. Estás no calabouço dos “peregrinos imóveis”, na cela dos obrigados a permanecer”.

Nunca passei por isso, presidente. O máximo de proibição que sofri foi decerto terrível e não quero passar por aquilo nunca mais: ter alguém no governo que diga o que posso ler, ouvir, cantar ou escrever. Ah! e também tinha essa coisa esdrúxula carimbada em meu passaporte, em 1965: “Válido para América do Sul, do Norte, Europa, Ásia e África. Não é válido para Cuba”. Fiquei logo indignada e a vontade que deu foi de ir para Cuba imediatamente! Ainda bem que fiquei só na vontade...

Ser impedida de sair e entrar livremente em meu país, isso eu nunca sofri. Mas o senhor pode calcular, como eu calculo, o sofrimento de Yoani Sanchez que, se não é nem de longe igual ao da mãe de Zapata ou ao da mãe de Fariñas que está vendo seu filho definhar e definhar, é uma infâmia que homens e mulheres de bem não podem assistir calados.

Desta vez a carta não foi extraviada. Nem ficou em alguma gaveta. Está aqui. É só ler.

De uma simples cidadã brasileira,

Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa

terça-feira, 2 de março de 2010

Alagoas: Collor no palanque de Dilma

Em entrevista, hoje de manhã, a um programa de rádio muito popular em Maceió, Joaquim Britto, presidente Estadual do PT, anunciou, sem esconder o orgulho:

- O Senador Fernando Collor (PTB-AL) estará, sim, no palanque da candidata Dilma Rousseff à presidência da República. Seria um incoerência tê-lo como parceiro no plano nacional e alijá-lo no plano local.

Britto está coberto de razão.