domingo, 12 de fevereiro de 2012

A COPA DO MUNDO NÃO SERÁ NOSSA

Ou...POR QUE A FIFA E A CBF NÃO QUEREM SABER DO TORCEDOR POVÃO.

por Frei Beto.

Para bem funcionar, um país precisa de regras. Se carece de leis e de quem zele por elas, vale a anarquia. O Brasil possui mais leis que população. Em princípio, nenhuma delas pode contrariar a lei maior – a Constituição. Só em princípio. Na prática, e na Copa, a teoria é outra.

Diante do megaevento da bola, tudo se enrola. A legislação corre o risco de ser escanteada e, se acontecer, empresas associadas à Fifa ficarão isentas de pagar impostos.

A lei da responsabilidade fiscal, que limita o endividamento, será flexibilizada para facilitar as obras destinadas à Copa e às Olimpíadas. Como enfatiza o professor Carlos Vainer, especialista em planejamento urbano, um município poderá se endividar para construir um estádio. Não para efetuar obras de saneamento...

A Fifa é um cassino. Num cassino, muitos jogam, poucos ganham. Quem jamais perde é o dono do cassino. Assim funciona a Fifa, que se interessa mais por lucro que por esporte. Por isso desembarcou no Brasil com a sua tropa de choque para obrigar o governo a esquecer leis e costumes.

A Fifa quer proibir, durante a Copa, a comercialização de qualquer produto num raio de 2 km em torno dos estádios. Excetos mercadorias vendidas pelas empresas associadas a ela. Fica entendido: comércio local, portas fechadas. Camelôs e ambulantes, polícia neles!

Abram alas á Fifa! Cerca de 170 mil pessoas serão removidas de suas moradias para que se construam os estádios. E quem garante que serão devidamente indenizadas?

A Fifa quer o povão longe da Copa. Ele que se contente em acompanhá-la pela TV. Entrar nos estádios será privilégio da elite, dos estrangeiros e dos que tiverem cacife para comprar ingressos em mãos de cambistas. Aliás, boa parte dos ingressos será vendida antecipadamente na Europa.

A Fifa quer impedir o direito à meia-entrada. Estudantes e idosos, fora! E nada de entrar nos estádios com as empadas da vovó ou a merenda dietética recomendada por seu médico. Até água será proibido.

Todos serão revistados na entrada. Só uma empresa de fast food poderá vender seus produtos nos estádios. E a proibição de bebidas alcoólicas nos estádios, que vigora hoje no Brasil, será quebrada em prol da marca de uma cerveja made in usa.

Comenta o prestigioso jornal Le Monde Diplomatique: “A recepção de um megaevento esportivo como esse autoriza também megaviolação de direitos, megaendividamento público e megairregularidades.”

A Fifa quer, simplesmente, suspender, durante a Copa, a vigência do Estatuto do Torcedor, do Estatuto do Idoso e do Código de Defesa do Consumidor. Todas essas propostas ilegais estão contidas no Projeto de lei 2.330/2011, que se encontra no Congresso. Caso não seja aprovado, o Planalto poderá efetivá-las via medidas provisórias.

Se você fizer uma camiseta com os dizeres “Copa 2014”, cuidado. A Fifa já solicitou ao Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) o registro de mais de mil itens, entre os quais o numeral “2014”.

(Não) durmam com um barulho deste: a Fifa quer instituir tribunais de exceção durante a Copa. Sanções relacionadas à venda de produtos, uso de ingressos e publicidade. No projeto de lei acima citado, o artigo 37 permite criar juizados especiais, varas, turmas e câmaras especializadas para causas vinculadas aos eventos. Uma Justiça paralela!

Na África do Sul, foram criados 56 Tribunais Especiais da Copa. O furto de uma máquina fotográfica mereceu 15 anos de prisão! E mais: se houver danos ou prejuízo à Fifa, a culpa e o ônus são da União. Ou seja, o Estado brasileiro passa a ser o fiador da FIFA em seus negócios particulares.

É hora de as torcidas organizadas e os movimentos sociais porem a bola no chão e chutar em gol. Pressionar o Congresso e impedir a aprovação da lei que deixa a legislação brasileira no banco de reservas. Caso contrário, o torcedor brasileiro vai ter que se resignar a torcer pela TV.


Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Carta de Gilberto Geraldo Garbi para Lula.

Gilberto Geraldo Garbi foi um dos alunos classificados a seu tempo como UM DOS MELHORES ALUNOS DE MATEMÁTICA que já haviam adentrado o ITA, entre outras honrarias que recebeu daquela instituição.


Depois de graduado, desenvolveu carreira na TELEPAR, onde chegou a Diretor Técnico e Diretor Presidente, sendo depois Presidente da TELEBRAS sendo, depois, presidente da NEC.


A CAMINHO DOS 99,9999995%
(Gilberto Geraldo Garbi)

Há poucos dias, a imprensa anunciou amplamente que, segundo as últimas pesquisas de opinião, Lula bateu de novo seus recordes anteriores de popularidade e chegou a 84% de avaliação positiva.

É, realmente, algo nunca antes visto nesse país e eu fiquei me perguntando o que poderemos esperar das próximas consultas populares.
Lembro-me de que quando Lula chegou aos 70% achei que ele jamais bateria Hitler, a quem, em seu auge, a cultíssima Alemanha chegara a conceder 82% de aprovação.

Mas eu estava enganado: nosso operário-presidente já deixou para trás o psicopata de bigodinho e hoje só deve estar perdendo para Fidel Castro e para aquele tiranete caricato da Coreia do Norte, cujo nome jamais me interessei em guardar.

Mas Lula tem uma vantagem sobre os dois ditadores: aqui as pesquisas refletem verdadeiramente o que o povo pensa, enquanto em Cuba e na Coreia do Norte as pesquisas de opinião lembram o que se dizia dos plebiscitos portugueses durante a ditadura lusitana: SIM, Salazar fica; NÃO, Salazar não sai; brancos e nulos sendo contados a favor do governo.

(Quem nunca ouviu falar em Salazar, por favor, pergunte a um parente com mais de 60).
Portanto, a popularidade de Lula ainda tem espaço para crescer, para empregar essa expressão surrada e pedante, mas adorada pelos economistas.

E faltam apenas cerca de 16% para que Lula possa, com suas habituais presunção e imodéstia, anunciar ao mundo que obteve a unanimidade dos brasileiros em torno de seu nome, superando até Jesus Cristo ou outras celebridades menores que jamais conseguiram livrar-se de alguma oposição.
Sim, faltam apenas 16% mas eu tenho uma péssima notícia a dar a seu hipertrofiado ego: pode tirar o cavalinho da chuva, cumpanhero, porque de 99,9999995% você não passa..

Como você não é muito chegado em Aritmética, exceto nos cálculos rudimentares dos percentuais sobre os orçamentos dos ministérios que você entrega aos partidos que constituem sua base de sustentação no Congresso, explico melhor: o Brasil tem 200.000.000 de habitantes, um dos quais sou eu. Represento, portanto, 1 em 200.000.000, ou seja, 0,0000005% enquanto os demais brasileiros totalizam os restantes 99,9999995%. Esses, talvez, você possa conquistar, em todo ou em parte. Mas meus humildes 0,0000005% você jamais terá porque não há força neste ou em outros mundos, nem todo o dinheiro com que você tem comprado votos e apoios nos aterros sanitários da política brasileira, não há, repito, força capaz de mudar minha convicção de que você foi o pior dentre todos os presidentes que tive a infelicidade de ver comandando o Brasil em meus 65 anos de vida.

E minha convicção fundamenta-se em um fato simples: desde minha adolescência, quando comecei a me dar conta das desgraças brasileiras e a identificar suas causas, convenci-me de que na raiz de tudo está a mentalidade dominante no Brasil, essa mentalidade dos que valorizam a esperteza e o sucesso a qualquer custo; dos que detestam o trabalho e o estudo; dos que buscam o acesso ao patrimônio público para proveito pessoal; dos que almejam os cabides de emprego, as sinecuras e os cargos fantasmas; dos que criam infindáveis dinastias nepotistas nos órgãos públicos; dos que desprezam a justiça desde que a injustiça lhes seja vantajosa; dos que só reclamam dos privilégios por não estar incluídos entre os privilegiados; dos que enriquecem através dos negócios sujos com o Estado; dos que vendem seus votos por uma camiseta, um sanduíche ou, como agora, uma bolsa família; dos que são de tal forma ignorantes e alienados que se deixam iludir pelas prostitutas da política e beijam-lhes as mãos por receber de volta algumas migalhas do muito que lhes vem sendo roubado desde as origens dos tempos; dos que são incapazes de discernir, comover-se e indignar-se diante de infâmias.

Antes e depois de mim, muitos outros brasileiros, incomparavelmente melhores e mais lúcidos, chegaram à mesma conclusão e, embora sejamos minoria, sinto-me feliz e honrado por estar ao lado de Rui Barbosa. Já ouviu falar nele?

Como você nunca lê, eu quase iria sugerir-lhe que pedisse a algum de seus incontáveis assessores que lhe falasse alguma coisa sobre a Oração aos Moços... Mas, esqueça... Se você souber o que ele, em 1922, disse de políticos como você e dos que fazem parte de sua base de sustentação, terá azia até o final da vida.

Pense a maioria o que quiser, diga a maioria o que disser, não mudarei minha convicção de que este País só deixará de ser o que é uma terra onde as riquezas produzidas pelo suor da parte honesta e trabalhadora é saqueada pelos parasitas do Estado e pelos ladrões privados eternamente impunes quando a mentalidade da população e de seus representantes for profundamente mudada.

Mudada pela educação, pela perseverança, pela punição aos maus, pela recompensa aos bons, pelo exemplo dos governantes.

E você Lula, teve uma oportunidade única de dar início à mudança dessa mentalidade, embalado que estava com uma vitória popular que poderia fazer com que o Congresso se curvasse diante de sua autoridade moral, se você a tivesse.

Você teve a oportunidade de tornar-se nossa tão esperada âncora moral, esta sim, nunca antes vista nesse País.

Mas não, você preferiu o caminho mais fácil e batido das práticas populistas e coronelistas de sempre, da compra de tudo e de todos.

Infelizmente para o Brasil, mas felizmente para os objetivos pessoais seus e de seu grupo, você estava certo: para que se esforçar, escorado apenas em princípios de decência, se muito mais rápido e eficiente é comprar o que for necessário, nessa terra onde quase tudo está à venda?

Eu não o considero inteligente, no nobre sentido da palavra,porque uma pessoa verdadeiramente inteligente, depois de chegar aonde você chegou, partindo de onde você partiu, não chafurdaria nesse lamaçal em que você e sua malta alegremente surfam, nem se entregaria a seu permanente êxtase de vaidade e autoidolatria.

Mas reconheço em você uma esperteza excepcional: nunca antes nesse País um presidente explorou tão bem, em proveito próprio e de seu bando, as piores qualidades da massa brasileira e de seus representantes.

Esse é seu legado maior, e de longa duração: o de haver escancarado a lúgubre realidade de que o Brasil continua o mesmo que Darwinencontrou quando passou por essas plagas em 1832 e anotou em seu diário: Aqui todos são subornáveis.

Você destruiu as ilusões de quem achava que havíamos evoluído em nossa mentalidade e matou as esperanças dos que ainda acreditavam poder ver um Brasil decente antes de morrer.
Você não inventou a corrupção brasileira, mas fez dela um maquiavélico instrumento de poder, tornando-a generalizada e fazendo-a permear até os últimos níveis da Administração.

O Brasil, sob você, vive um quadro que em medicina se chamaria de septicemia corruptiva.

Peça ao Marco Aurélio para lhe explicar o que é isso.

Você é o sonho de consumo da banda podre desse País, o exemplo que os funcionários corruptos do Brasil sempre esperaram para poder dar, sem temores, plena vazão a seus instintos.

Você faz da mentira e da demagogia seu principal veículo de comunicação com a massa.

A propósito, o que é que você sente, todos os dias, ao olhar-se no espelho e lembrar-se do que diz nos palanques?
Você sente orgulho em subestimar a inteligência da maioria e ver que vale a pena?

Você mentiu quando disse haver recebido como herança maldita a política econômica de seu antecessor, a mesma política que você manteve integralmente e que fez a economia brasileira prosperar.

Você mentiu ao dizer que não sabia do Mensalão.

Mentiu quando disse que seu filho enriqueceu através do trabalho.

Mentiu sobre os milhões que a Ong 13, de sua filha, recebeu sem prestar contas.

Mentiu ao afastar Dirceu, Palocci, Gushiken e outros cumpanheros pegos em flagrante.

Mente quando, para cada platéia, fala coisas diferentes, escolhidas sob medida para agradá-las.

Mentiu, mente e mentirá em qualquer situação que lhe convenha.
Por falar em Ongs, você comprou a esquerda festiva, aquela que odeia o trabalho e vive do trabalho de outros, dando-lhe bilhões de reais através de Ongs que nada fazem, a não ser refestelar-se em dinheiro público, viajar, acampar, discursar contra os exploradores do povo e desperdiçar os recursos que tanta falta fazem aos hospitais.
Você não moveu uma palha, em seis anos de presidência, para modificar as leis odiosas que protegem criminosos de todos os tipos neste País sedento de Justiça e encharcado pelas lágrimas dos familiares de tantas vítimas.

Jamais sua base no Congresso preocupou-se em fechar ao menos as mais gritantes brechas legais pelas quais os criminosos endinheirados conseguem sempre permanecer impunes, rindo-se de todos nós.

Ao contrário, o Supremo, onde você tem grande influência, por haver indicado um bom número de Ministros, acaba de julgar que mesmo os condenados em segunda instância podem permanecer em liberdade, até que todas as apelações, recursos e embargos sejam julgados, o que, no Brasil, leva décadas.

Isso significa, em poucas palavras, que os criminosos com dinheiro suficiente para pagar os famosos e caros criminalistas brasileiros podem dormir sossegados, porque jamais irão para a cadeia.

Estivesse o Supremo julgando algo que interessasse a seu grupo ou a suas inclinações ideológicas, certamente você teria se empenhado de corpo e alma.

Aliás, Lula, você nunca teve ideais, apenas ambições..

Você jamais foi inspirado por qualquer anseio de Justiça.

Todas as suas ações, ao longo da vida, foram motivadas por rancores, invejas, sede pessoal de poder e irrefreável necessidade de ser adorado e ter seu ego adulado.

Seu desprezo por aquilo que as pessoas honradas consideram Justiça manifesta-se o tempo todo: quando você celeremente despachou para Cuba alguns pobres desertores que aqui buscavam a liberdade; quando você deu asilo a assassinos terroristas da esquerda radical; quando você se aliou à escória do Congresso, aquela mesma contra quem você vociferava no passado; quando concedeu aumentos nababescos a categorias de funcionários públicos já regiamente pagos, às custas dos impostos arrancados do couro de quem trabalha arduamente e ganha pouco; quando você aumentou abusivamente as despesas de custeio, sabendo que pouquíssimo da arrecadação sobraria para os investimentos de que tanto carece a população; quando você despreza o mérito e privilegia o compadrio e o populismo; e vai por aí.... Justiça, ora a Justiça, é o que você pensa...

Você tem dividido a nação, jogando regiões contra regiões, classes contra classes e raças contra raças, para tirar proveito das desavenças que fomenta.

Aliás, se você estivesse realmente interessado, como deveria, em dar aos pobres, negros e outros excluídos as mesmas oportunidades que têm os filhos dos ricos, teria se empenhado a fundo na melhoria da saúde e do ensino públicos.

Mas você, no íntimo, despreza o ensino, a educação e a cultura, porque conseguiu tudo o que queria, mesmo sendo inculto e vulgar. Além disso, melhorar a educação toma um tempo enorme e dá muito trabalho, não é mesmo?

E se há coisa que você e o Partido dos Trabalhadores definitivamente detestam é o trabalho: então, muito mais fácil é o atalho das cotas, mesmo que elas criem hostilidades entres as cores, que seus critérios sejam burlados o tempo todo e que filhos de negros milionários possam valer-se delas.
A Imprensa faz-lhe pouca oposição porque você a calou, manipulando as verbas publicitárias, pressionando- a economicamente e perseguindo jornalistas.

O que houve entre o BNDES e as redes de televisão?

O que você mandou fazer a Arnaldo Jabor, a Boris Casoy, a Salete Lemos?

Essa técnica de comprar ou perseguir é muito eficaz.

Pablo Escobar usou-a com muito sucesso na Colômbia, quando dava a seus eventuais opositores as opções: O plata, o plomo. Peça ao Marco Aurélio para traduzir. Ele fala bem o Espanhol.

Você pode desdenhar tudo aquilo que aqui foi dito, como desdenha a todos que não o bajulem.
Afinal, se você não é o maior estadista do planeta, se seu governo não é maravilhoso, como explicar tamanha popularidade?

É fácil: políticos, sindicatos, imprensa, ONGs, movimentos sociais, funcionários públicos, miseráveis, você comprou com dinheiro, bolsas, cotas, cargos e medidas demagógicas.

Muita gente que trabalha, mas desconhece o que se passa nas entranhas de seu governo, satisfez-se com o pouco mais de dinheiro que passou a ganhar, em consequência do modesto crescimento econômico que foi plantado anteriormente, mas que caiu em seu colo.

Tudo, então, pode se resumir ao dinheiro e grande parte da população parece estar disposta a ignorar os princípios da honradez e da honestidade e a relevar as mentiras, a corrupção, os desperdícios, os abusos e as injustiças que marcam seu governo em troca do prato de lentilhas da melhoria econômica.
É esse, em síntese, o triste retrato do Brasil de hoje. E, como se diz na França, l´argent n´est tout que dans les siècles où les hommes ne sont rien.


Você não entendeu, não é mesmo? Então pergunte à Marta. Ela adora Paris e há um bom tempo estamos sustentando seu gigolô franco-argentino. ..

Gilberto Geraldo Garbi

16/11/2009

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Eleições

Não vote no PT; a vítima será você

sábado, 11 de junho de 2011

Ideli 2.0

Merval Pereira, O Globo

Se pegarmos exemplos da atuação parlamentar das novas ministras responsáveis pelos dois principais cargos do governo Dilma — Gleisi Hoffmann na Casa Civil e Ideli Salvatti nas Relações Institucionais —, fica claro que a relação do Executivo com o Legislativo não será facilitada. O apelido de Gleisi no Senado era "Ideli 2.0", a indicar que a representante paranaense podia ser mais agressiva ainda que sua ex-colega.

Em comum, as duas têm a característica de defender o governo a qualquer custo, a ponto de Gleisi pedir vista de qualquer projeto que fosse discutido na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) para ter tempo de consultar o Planalto.

Um embate exemplar, na Comissão e em plenário, foi sobre o aumento do preço a ser pago ao Paraguai pela energia gerada em Itaipu, da qual a senadora Gleisi Hoffmann foi diretora.

O senador Itamar Franco se manifestou contra a proposta do governo, que aumentou em 200% o preço que pagamos ao Paraguai, alegando que esse reajuste repercutiria no consumidor brasileiro.

A senadora Gleisi Hoffmann, que era a relatora da proposta, aparteou Itamar afirmando que ele não entendia nada de política energética e que, mesmo tendo sido presidente da República, não aprendera a lição.

O ex-presidente deixou para responder no plenário do Senado, dias depois. Mandou projetar numa tela uma fórmula matemática complicadíssima e iniciou seu discurso perguntando à senadora Gleisi se ela sabia o que aquela fórmula significava.

Muito relutantemente Gleisi admitiu que não sabia do que se tratava, e Itamar então foi à forra.

Explicou que aquela era uma fórmula matemática criada em seu governo pelo ministro da Fazenda Eliseu Rezende, que, com base em uma complexa estrutura de custos para a geração de energia elétrica, equacionou os reajustes futuros das tarifas.

"Vamos abstrair de sua complexidade matemática e nos determos no que é essencial: o reajuste da tarifa não pode ser estabelecido apenas por fatores subjetivos ou políticos".

E ainda estranhou que a senadora Gleisi Hoffmann, tendo sido diretora de Itaipu, desconhecesse a fórmula.

Em outra ocasião, estava em questão uma proposta de que as operadoras de planos de saúde pudessem fazer o resseguro, relatada e acolhida pelo senador do PTB Armando Monteiro, da base do governo. Na reunião da última terça, dia 7, também o senador Lindbergh Farias, do PT, defendeu a aprovação do mesmo projeto.

A senadora Gleisi pediu vista, mesmo com a maioria dos senadores, de vários partidos, tendo se manifestado favoravelmente à medida. O senador Dornelles, que preside a CAE, perguntou qual era a dúvida que ela tinha, pois, se fosse uma questão técnica, ela poderia ser explicada na hora.

A senadora paranaense disse apenas que queria entender melhor a proposta, ao que Dornelles alegou que o assunto estava em pauta há três meses, tempo suficiente para que os senadores tomassem conhecimento dele e se decidissem.

Essa mania de Gleisi de pedir vista sobre todos os assuntos fez com que surgisse entre seus colegas senadores a intriga de que ela só se manifestava depois de receber instruções diretamente em seu iPad, que leva para a tribuna sempre que discursa, geralmente lendo o pronunciamento.

Já a ex-ministra da Pesca Ideli Salvatti, que vai comandar a coordenação política do governo nem sempre na base da "paz e amor", como já advertiu, tem problemas com um dos principais senadores do PMDB.

Na disputa entre PT e PMDB pela presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado, ela foi vencida pelo senador Fernando Collor de Mello, do PTB, com o apoio do PMDB de Renan Calheiros, em um "acordo espúrio" denunciado na ocasião pelo então senador Aloizio Mercadante.

Uma comissão fundamental para o governo, no centro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que era a peça-chave da campanha presidencial da então ministra Dilma Rousseff.

Por ironia da política de resultados, o senador Renan Calheiros, que comandou a derrota da senadora Ideli Salvatti, do PT, tivera nela um dos maiores esteios quando esteve para ser cassado no episódio que lhe custou a presidência do Senado, acusado de pagar com dinheiro de uma empreiteira uma pensão que dava para a amante Mônica Veloso, mãe de uma filha sua.

O ânimo beligerante da senadora Ideli Salvatti, sempre disposta a mostrar serviço ao governo, protagonizou outro momento polêmico no depoimento da ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira, que afirmava ter tido um encontro reservado e a sós com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que lhe teria pedido para encerrar um processo contra um filho do presidente do Senado, José Sarney.

A ex-secretária da Receita fizera um depoimento morno, dizendo até que não se sentira "pressionada", embora tenha considerado o pedido "incabível".

Tudo parecia resolvido para o governo, frustrando a oposição, e o líder Romero Jucá se deu por satisfeito, chegando até a ameaçar retirar-se do plenário da Comissão de Constituição e Justiça para esvaziar o restante do depoimento.

Naquele momento entrou em cena a vibrante líder petista, com uma agressividade que o momento já não pedia.
Partiu para um ataque feroz, relendo a entrevista que Lina Vieira dera à "Folha de S.Paulo", na qual ela se deixou levar por especulações, afirmando que entendera a interferência da ministra Dilma como um sinal de que o governo não queria confusão com o Sarney (que àquela altura era candidato à presidência do Senado).

Conclusão de Ideli Salvatti: "Ou a senhora mentiu hoje, ou mentiu para o jornal".

Chegou a ser engraçado ver o senador Renan Calheiros, pressentindo o desastre, enviar sinais de paz para a senadora Ideli Salvatti, que absolutamente não entendia que estava colocando tudo a perder para a base governista.

As novas chefe da Casa Civil e coordenadora política do governo têm em comum, como se vê, não apenas o estilo agressivo de fazer política, mas, sobretudo, a firme determinação de defender a presidente Dilma em qualquer circunstância.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Ainda Lula

FRASE DO DIA

Quando peguei esse País, só tinha miserável. E eu, operário sem um dedo, fiz mais que o Bill Gates, Steve Jobs e esses aí.

Lula, em palestra para convidados do Bank of America/Merryll Lynch, SP

terça-feira, 5 de abril de 2011

Demissão por excesso de competência

Ao se intrometer na vida da Vale, o governo federal produziu simultaneamente três assombros: inventou a demissão por excesso de competência, transformou Roger Agnelli no único executivo da história que perdeu emprego por ter feito tudo certo e criou a primeira empresa privada do Brasil cuja diretoria é escolhida pelo Palácio do Planalto e decidiu nesta segunda-feira que o novo comandante será o ex-diretor Murilo Ferreira. Não é pouca coisa. E não é tudo.

Bastou a notícia de que o governo resolvera ditar os rumos da Vale para que mais de 4 milhões de investidores começassem a perder dinheiro. Só em março, as aplicações sofreram uma queda de 6,81%. “As ações deveriam estar voando”, disse em entrevista ao jornal O Globo o especialista em investimentos Bruno Lembi. “Os preços do minério estão lá em cima e a Vale divulgou um balanço excepcional”.

Privatizada em maio de 1997, a Vale começou a colecionar cifras superlativas a partir de julho de 2001, quando Agnelli assumiu a presidência para transformá-la, em 10 anos, na segunda mineradora do planeta e na maior produtora mundial de minério de ferro. Em 1997, tinha 11 mil funcionários. Hoje são 174 mil. A extração de minério subiu de 114 milhões de toneladas para 297 milhões de toneladas, e o lucro saltou de R$ 390 milhões para R$ 30,7 bilhões. Os investimentos somaram R$ 19,4 bilhões em 2010. Deverão chegar a US$ 24 bilhões em 2011.

Quem aplicou R$ 1 mil em ações da Vale no dia da posse de Agnelli tinha R$ 16.829 na conta neste 23 de março, quando o afastamento foi oficializado. A valorização foi de 1.583%. Em paragens civilizadas, tal performance faria qualquer chefe de governo disputar Agnelli a socos e pontapés com a iniciativa privada: como não instalar num ministério da área econômica alguém tão singularmente eficaz? No Brasil, como ensinou Tom Jobim, sucesso é ofensa pessoal. E a independência é o oitavo pecado capital aos olhos de governantes autoritários como Lula.

Enciumado com o executivo brilhante, indignado com o homem de empresa que ignorava determinações do presidente da República, Lula ficou à espera do pretexto para o início da ofensiva. A chance chegou em dezembro de 2008, quando a Vale incluiu a demissão de 1.300 funcionários entre as medidas adotadas para abrandar os efeitos da crise econômica internacional. De lá para cá, a abertura de 35 mil novos empregos compensou amplamente o corte, mas Lula continuou a tratar a demonstração de autonomia como traição à pátria.

Com o apoio de Dilma Rousseff, resolveu que ninguém teria sido demitido se a Vale reduzisse a exportação de minério e ampliasse os investimentos em siderurgia. E apertou o cerco ao inimigo imaginário em abril de 2009, quando Demian Fiocca, ex-presidente do BNDES ligado ao ministro Guido Mantega, foi demitido da diretoria da Vale. Em fevereiro deste ano, incumbido por Dilma Rousseff de articular o ataque derradeiro, Mantega conseguiu o apoio da maioria dos controladores da empresa para a torpeza longamente planejada.

Caso o governo soubesse o que é meritocracia, Agnelli poderia ser o ministro da Fazenda e Mantega e Dilma só apareceriam regularmente no gabinete do presidente da Vale se ele fosse o homem do cafezinho e ela, a mulher da limpeza. Na Era da Mediocridade, Obina joga na Seleção e tira Pelé do time. A multidão de ministros e figurões do segundo escalão comprova que, há quase 100 dias, a presidente da República é uma ilha de despreparo cercada por todos os lados de incompetentes, cretinos, vigaristas, ineptos e gatunos.

O Brasil decente sairia ganhando se todas essas nulidades fossem despejadas dos gabinetes que ocupam. Em vez disso, Dilma preferiu ultrapassar as fronteiras do Planalto para castigar a Vale com a demissão de um dos mais talentosos executivos do mundo. O País do Carnaval tem o governo que merece.

sábado, 2 de abril de 2011

A anatomia do valerioduto

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ÉPOCA obteve o relatório final da Polícia Federal sobre o caso do mensalão. Ele revela que o dinheiro usado por Marcos Valério veio dos cofres públicos e traz novas provas e acusações contra dezenas de políticos
DIEGO ESCOSTEGUY. COM MARIANA SANCHES, MURILO RAMOS, HUMBERTO MAIA JUNIOR, DANILO THOMAZ, MARCELO ROCHA, ANDREI MEIRELES E LEONEL ROCHA



O OPERADOR
Marcos Valério, o artífice do mensalão, em 2007. Mais de cinco anos depois, a polícia concluiu a investigação sobre o maior escândalo de corrupção do governo Lula

Era uma vez, numa terra não tão distante, um governo que resolveu botar o Congresso no bolso. Para levar a cabo a operação, recorreu à varinha de condão de um lobista muito especial, que detinha os contatos, os meios e o capital inicial para fazer o serviço. Em contrapartida, o lobista ganharia contratos nesse mesmo governo, de modo a cobrir as despesas necessárias à compra. Ganharia também acesso irrestrito aos poderosos gabinetes de seu cliente, de maneira a abrir novas perspectivas de negócios. Fechou-se o acordo – e assim se fez: o lobista distribuiu ao menos R$ 55 milhões a dezenas de parlamentares da base aliada do governo. O governo reinou feliz para sempre.

Mas somente por dois anos. Há seis anos, em junho de 2005, pela voz do vilão e ex-deputado Roberto Jefferson, a fantástica história do maior escândalo de corrupção já descoberto no país, conhecido como mensalão, veio a público. O governo quase ruiu. Seu líder, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse que “devia desculpas” ao país. Os dirigentes do PT, o partido responsável pelo negócio com o lobista, caíram um após o outro, abalroados pelas evidências de que, não, aquela não era uma história de ficção: era tudo verdade.

Sobrevieram as investigações de uma CPI (a última que chegou a funcionar efetivamente no país) e a enfática denúncia do procurador-geral da República, que qualificou o grupo como uma “organização criminosa”, liderada pelo primeiro-ministro informal desse governo, o petista José Dirceu. A realidade dos fatos abateu-se sobre as lideranças do partido. Tarso Genro, um deles, falou em refundar o partido. Lula pediu desculpas mais uma vez. O então deputado José Eduardo Cardozo reconheceu que houve mensalão, e que era preciso admitir os fatos.

Parecia que haveria um saudável processo de depuração ética em Brasília. Parecia. Os anos passaram, e a memória dos fatos esvaiu-se lentamente, carregada pelo esforço dos mesmos líderes petistas de reconfigurar o que acontecera através das lentes da má ficção. Dirceu começou a declarar que não houve compra de votos. Petistas disseram que o esquema não fazia sentido, uma vez que, como eram governistas, não precisariam receber dinheiro para votar com o governo – esquecendo que o valerioduto também contemplava o pagamento de campanhas políticas com dinheiro sujo. Delúbio Soares, o tesoureiro que coordenou os pagamentos, disse que tudo se tornaria piada de salão. Agora, obteve apoio para voltar ao partido, de onde fora expulso quando era conveniente a seus colegas. Por fim, quando estava prestes a terminar seu mandato, Lula avisou aos petistas: “O mensalão foi uma farsa. Vamos provar isso”.




São as voltas que o planeta político dá. Em Brasília, como se percebe, ele gira com especial rapidez. José Eduardo Cardozo agora é ministro da Justiça. Foi sob o comando dele que a Polícia Federal produziu sigilosamente um documento devastador, cujas 332 páginas resultam demolidoras para muitos dos próceres da República. Trata-se do relatório final da Polícia Federal sobre o caso do mensalão, que encerra oficialmente os seis anos de extensas investigações conduzidas por delegados, agentes e peritos especializados no combate ao crime organizado. A peça já está sobre a mesa do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e deverá seguir em breve para o gabinete do ministro Joaquim Barbosa, o relator do caso do mensalão no Supremo Tribunal Federal.

Liderada pelo policial Luís Flávio Zampronha, delegado que coordena o caso desde o início e integra a divisão de Repressão a Crimes Financeiros, a PF vasculhou centenas de contas bancárias, esmiuçou dezenas de documentos internos das empresas envolvidas no esquema e ouviu cerca de 100 testemunhas. Produziu-se esse minucioso trabalho por determinação do ministro Joaquim Barbosa. O objetivo era produzir provas acerca dos pontos que não haviam sido contemplados nas investigações da CPI dos Correios e da Procuradoria-Geral da República. As dúvidas dividiam-se em três perguntas elementares:

1. O mensalão foi financiado com dinheiro público?

2. Houve mais beneficiários do valerioduto?

3. Qual era o limite da influência de Marcos Valério no governo petista?

A investigação da PF dissolve essas incertezas – e faz isso com muitas, muitas provas. A resposta às duas primeiras perguntas é sim, sem dúvida. A resposta à terceira? Nenhum. Não há mais argumentos falaciosos, teses descabidas ou teorias conspiratórias que permitam ignorar os fatos colhidos pela PF. Derrubam-se, assim, os mitos que setores do PT, sobretudo sob a liderança moral e simbólica do presidente Lula, tentaram impor à opinião pública. O mensalão não foi uma farsa. Não foi uma ficção. Não foi “algo feito sistematicamente no Brasil”, como chegou a dizer o ex-presidente. O mensalão, como já demonstravam as investigações da CPI dos Correios e do Ministério Público e agora se confirma cabalmente com o relatório da PF, consiste no mais amplo (cinco partidos, dezenas de parlamentares), mais complexo (centenas de contas bancárias, uso de doleiros, laranjas) e mais grave (compra maciça de apoio político no Congresso) esquema de corrupção já descoberto no país. O significado político e, sobretudo, simbólico do fim desse debate é enorme – e pode alterar os rumos do processo do mensalão no STF, que até o momento tendia para uma vagarosa morte jurídica.

Ao responder ao que lhe foi pedido, a PF avança ainda mais. Eis as principais descobertas expostas no relatório:

Chegou-se, finalmente, ao elo mais grave do esquema do valerioduto: a conexão com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O segurança Freud Godoy, que trabalha com o petista desde a campanha de 1989 e desfruta a intimidade da família de Lula, confessou à PF que recebeu R$ 98 mil de Marcos Valério. Disse que se tratava de pagamento dos serviços de segurança prestados a Lula na campanha de 2002 e durante a transição para a Presidência;
Os peritos da PF rastrearam o envolvimento de mais grão-políticos no esquema. Direta ou indiretamente, seja por meio de assessores ou de familiares, em campanhas políticas ou no exercício do mandato, receberam dinheiro do valerioduto políticos poderosos, como o minis-tro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, do PT, e o eterno líder do governo no Congresso, senador Romero Jucá, do PMDB. Descobriu-se também, ou se conseguiu confirmar, a participação de mais sete deputados federais, dois ex-senadores e um ex-ministro (leia a nova lista do esquema abaixo);


O banqueiro Daniel Dantas, que participava de uma das mais renhidas e bilionárias disputas societárias do Brasil – e que, para resolver seus problemas, precisava desesperadamente de aliados no Palácio do Planalto –, tentou mesmo garantir o apoio do governo petista por intermédio de dinheiro enviado às empresas de Marcos Valério. Depois de se reunir com Dirceu, então ministro da Casa Civil, Dantas recebeu de Delúbio um pedido especial de ajuda financeira: US$ 50 milhões. Segundo a PF, a propina foi aceita. Pouco antes de o mensalão vir a público, uma das empresas controladas pelo banqueiro fechou contratos fajutos com Valério – apenas para que houvesse um modo legal de depositar o dinheiro. Houve tempo suficiente para que R$ 3,6 milhões fossem repassados ao publicitário. Encaminhou-se esse total a doleiros, mas a PF ainda não descobriu os reais beneficiários do dinheiro;
São comprovadamente fajutos os empréstimos que, segundo a defesa de Marcos Valério, explicariam a origem do dinheiro do mensalão. Esses papéis serviram somente para dar cobertura jurídica a uma intrincada operação de lavagem de dinheiro. Apurou-se que houve duas fontes de recursos para bancar o mensalão e as demais atividades criminosas de Marcos Valério. Uma, a principal, qualificada pela PF de “fonte primária”, consistia em dinheiro público, proveniente dos contratos do publicitário com ministérios e estatais. O principal canal de desvio estava no Banco do Brasil, num fundo de publicidade chamado Visanet, destinado a ações de marketing do cartão da bandeira Visa. As agências de Marcos Valério produziam algumas ações publicitárias, mas a vasta maioria dos valores repassados pelo governo servira tão somente para abastecer o mensalão. A segunda fonte de financiamento, chamada de “secundária”, estipulava que Marcos Valério seria ressarcido pelos pagamentos aos políticos por meio de contratos de lobby com empresas dispostas a se aproximar da Presidência da República. Foi o caso do Banco Rural, que tentava obter favores do Banco Central e do banqueiro Daniel Dantas, que precisava do apoio dos fundos de pensão das estatais.
Das dezenas de novos beneficiários identificados, o mais representativo é Freud Godoy. O segurança pessoal de Lula ficou conhecido na campanha de 2006, quando recebeu de Lula a alcunha de Aloprado, em razão de seu envolvimento com a turma que foi presa num hotel de São Paulo, tentando comprar um dossiê contra o tucano José Serra. (Às vésperas daquelas eleições, a PF divulgou uma foto exibindo seis vistosos pacotes de dinheiro em cima de uma mesa. Nunca se descobriu a origem do dinheiro.) Freud não é apenas segurança de Lula. É amigo do ex-presidente, relação que nasceu nos anos 80 e sobrevive até hoje. Até o episódio dos aloprados, onde quer que Lula estivesse, lá estava Freud. Não era uma sombra barata. Em 1998, Freud profissionalizou seus serviços e criou uma empresa. No escândalo dos aloprados, descobriu-se que essa empresa, a Caso Comércio, recebeu R$ 98 mil da SMP&B, uma das agências de Marcos Valério. O pagamento dera-se em 21 de janeiro de 2003. Diante dos milhares de operações bancárias nas contas do publicitário, poderia haver uma explicação plausível e legal para a transação. Algum serviço poderia ter sido prestado normalmente. Quando essa informação veio a público, porém, Freud e Marcos Valério silenciaram sobre o motivo do pagamento. Restou a suspeita de que haveria alguma ilegalidade.

Os delegados da PF foram atrás de Freud – e ele narrou, em depoimento, que o dinheiro serviu para cobrir parte dos R$ 115 mil que lhe eram devidos pelo PT, em razão dos serviços prestados durante a campanha presidencial de 2002. Segundo Freud, tratava-se de despesas de “segurança, alimentação, transporte e hospedagem de equipes de apoio”. O segurança contou que, após a campanha, foi ao comitê eleitoral do PT cobrar a dívida. Os responsáveis pelo comitê, cujos nomes Freud não revela, deram-lhe o número de telefone de uma empresa que resolveria a pendência. Ele ligou e descobriu que se tratava da SMP&B. “Jamais mantive contato com Marcos Valério”, disse Freud à PF. Os funcionários de Marcos Valério pediram que ele lhes fornecesse uma nota fiscal. Ato contínuo, Freud recebeu o cheque de R$ 98 mil pelos Correios. O segurança afirmou que não havia contrato entre sua empresa e o PT, nem qualquer registro contábil das despesas. Em suma: um amigo de Lula, que sempre prestou serviços a ele, recebeu dinheiro ilegal para pagar suas despesas trabalhando para o ex-presidente. É a primeira vez em que se descobre uma ligação direta entre o esquema de Marcos Valério e alguém da intimidade de Lula.


LADO A LADO
O ex-presidente Lula caminha na Granja do Torto na companhia de seu segurança Freud Godoy, em dezembro de 2002, na transição de governo. Freud era, na ocasião, remunerado por Marcos Valério
Marcos Valério detinha uma capacidade espantosa de unir amigos e dinheiro. Sabia como conquistar os poderosos – ou conquistar amigos dos poderosos. Deu dinheiro ao amigo de Lula, o ex-presidente, e também a um grande amigo da atual presidente, Dilma Rousseff. Fernando Pimentel conhece Dilma desde os tempos de luta armada contra o regime militar. Mineiros, ambos militaram juntos, dividindo aparelhos e ideais. A presidente confia a tal ponto em Pimentel que delegou a ele parte da coordenação política de sua campanha presidencial. Não se arrependeu. Hoje, como ministro do Desenvolvimento e confidente de Dilma, Pimentel ocupa espaço no primeiro time da Esplanada. Quando eclodiu o mensalão, surgiram suspeitas de que Rodrigo Barroso Fernandes, tesoureiro de sua campanha vitoriosa à prefeitura de Belo Horizonte, em 2004, recebera dinheiro do valerioduto. Naquele momento, quando as denúncias se sucediam em turbilhão, a suspeita diluiu-se em meio a tantas outras.

A metamorfose ambulante
Ao longo de seu governo, o ex-presidente Lula mudou sua retórica sobre o escândalo. Passou da indignação à negação
"Não interessa se foi A, B ou C, todo o episódio foi como uma facada nas minhas costas" - Lula, em dezembro de 2005, sobre o episódio do escândalo do mensalão

"Mensalão é uma farsa" - Lula, em conversa com José Dirceu durante o café da manhã no Palácio da Alvorada em 18 de novembro de 2010. Na ocasião, o ex-presidente avisou que quando deixasse o governo iria trabalhar para desmontar o mensalão

A PF, contudo, perseguiu a pista. Rastreando as contas do valerioduto, os investigadores comprovaram que o assessor de Pimentel recebeu um cheque de R$ 247 mil de uma das contas da SMP&B no Banco Rural. Quando? Em 12 de agosto de 2004, período em que a campanha de Pimentel começava a engrenar. Ouvido pelos delegados, Rodrigo Barroso se recusou a dar explicações. Preferiu o silêncio. Diante disso, a PF recomendou ao procurador-geral da República que processe o assessor, ao menos, por lavagem de dinheiro. Segundo a PF, as evidências sugerem fortemente que a campanha do ministro Pimentel tenha sido financiada com dinheiro do valerioduto. Pimentel afirmou que não comentaria o caso sem antes ler o relatório.


Dinheiro para pagar campanha era artigo abundante no valerioduto. Nas eleições de 2004, além de Pimentel, Marcos Valério, naturalmente por ordens do comando do PT, repassou recursos a duas outras candidaturas do partido em São Paulo: a de Emídio de Souza à prefeitura de Osasco (R$ 189 mil) e a do hoje deputado Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, à prefeitura de São Bernardo do Campo (R$ 17 mil). Entre os novos beneficiários do PT, a PF descobriu uma militante que trabalhou para Ivan Guimarães, então presidente do Banco Popular, que pertence ao Banco do Brasil. A funcionária, Renata Maciel, sacou R$ 150 mil na agência do Rural, em plena Avenida Paulista. A operação aconteceu em novembro de 2004, logo após o período eleitoral. Em seguida, ela passou a trabalhar numa joalheria que pertencia a Ivan Guimarães. Há muito mais operações de caixa dois em eleições, como no PT de Alagoas. Mais incomuns são casos como os do ex-ministro Pimenta da Veiga e do deputado José Mentor, que receberam uma dinheirama do valerioduto, disseram que prestaram serviços a ele como advogados – mas não convenceram a PF (leia os quadros anteriores).

O segredo para os investigadores desvendarem as engrenagens de lavagem de dinheiro armadas pela quadrilha de Marcos Valério está nas contas do publicitário que recebiam recursos do fundo Visanet, em tese destinado ao marketing de cartões da bandeira Visa. Somente no governo Lula, o fundo repassou R$ 68 milhões às agências de Marcos Valério. Ao analisar os milhares de transações bancárias do esquema, os peritos perceberam que a saída de dinheiro para os políticos coincidia com a entrada de recursos desse fundo, liberados pelo Banco do Brasil. A partir dessa descoberta, foi possível rastrear o caminho do dinheiro: ele saía de duas contas de Marcos Valério no Banco do Brasil, transitava pelo Banco Rural e, em seguida, era repassado aos beneficiários reais (leia o quadro "Os novos beneficiários"). Essa mesma linha de investigação possibilitou a descoberta de recursos desviados a parentes de políticos, como o irmão do senador Romero Jucá e o genro do ex-senador Marco Maciel, do DEM.


O JUIZ DO CASO
O ministro Joaquim Barbosa, em seu gabinete no Supremo. Ele recebeu o resultado das investigações da PF e é o relator do processo do mensalão
O relatório da PF demonstra que, dos cerca de R$ 350 milhões recebidos pelas empresas de Valério do governo Lula, os recursos que mais se destinaram aos pagamentos políticos tinham como origem o fundo Visanet. Pela falta absoluta de controles internos no banco, esse fundo permitia desvios com mais facilidade. Para completar, o banco costumava adiantar os recursos antes que quaisquer serviços fossem prestados. Diz o relatório: “O adiantamento de recursos vinculados ao Visanet configurava, assim, uma das principais fontes de recursos do esquema montado por Marcos Valério para o financiamento político e consequente montagem de redes de influência, vez que o desvio desta verba era facilitada pela total inexistência de qualquer contrato formal para sua execução, bem como pela ausência de formalização de instrumento, ajuste ou equivalente para disciplinar as destinações dadas aos adiantamentos oferecidos às agências de publicidade”.

A pedido do ministro Joaquim Barbosa, a PF desvendou um dos mistérios mais estranhos do governo Lula: a relação do banqueiro Daniel Dantas com o PT. Antes de chegar ao poder, os líderes do partido sempre combateram a gestão de Dantas à frente do grupo que coordenava os investimentos dos principais fundos de pensão do país. Quando Lula assumiu, Dantas estava envolvido numa briga aberta para manter o controle desses investimentos, sobretudo da Brasil Telecom, um gigante do mercado de telefonia. O PT passou, então, a emitir sinais conflitantes sobre que lado assumiria nessa disputa. Alguns integrantes do governo articulavam para derrubá-lo, enquanto outros hesitavam em tomar lado. Em depoimento à PF, Dantas disse que, em meio a esse cenário ambíguo, foi convocado pelo então ministro da Casa Civil, José Dirceu, para uma reunião no Palácio do Planalto.

O relatório final da PF foi entregue ao Supremo
Tribunal Federal no final de fevereiro
Segundo Dantas, o encontro deu-se no dia 4 de maio de 2003. Na reunião, Dirceu teria dado sinal de uma oportunidade de conciliação com Dantas e encarregado o então presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, de manter diálogo com o banqueiro. Onze dias depois, Carlos Rodemburg, sócio de Dantas, encontrou-se com Marcos Valério e Delúbio Soares no hotel Blue Tree, em Brasília, na suíte do tesoureiro do PT. De acordo com o depoimento do sócio de Dantas, Delúbio disse que o partido estava com um “deficit” de US$ 50 milhões – e pediu dinheiro. Não foi dito abertamente, mas o subtexto era evidente: se Dantas pagasse, teria ajuda do governo para se manter à frente de seus negócios.

À PF, Dantas disse que se negou a pagar. Procurado por ÉPOCA, Dantas confirmou, por meio de sua assessoria, o que afirmara em seu depoimento – inclusive o pedido de “ajuda” de Delúbio. E deu suas razões para não ter aceitado a oferta: “O Opportunity (banco comandado por Dantas) era gestor do fundo de investimentos que abrigava recursos do Citigroup. O banco americano foi consultado. A decisão do Citigroup foi informar que não tinha como ajudar”. Também afirmou que, depois de Rodemburg informar Delúbio da negativa, passou a ser perseguido pelo governo.

Dois anos depois, não se sabe por que, a Brasil Telecom, empresa ainda controlada por uma subordinada de Dantas, celebrou dois contratos com a agência DNA, de Marcos Valério, cada um deles no valor de R$ 25 milhões. Os depoimentos dos funcionários da Brasil Telecom à PF revelam que os contratos foram fechados em poucos dias, sem que ninguém da área de marketing soubesse dos motivos das pressa, nem sequer que serviços seriam prestados. Semanas depois, sobreveio o escândalo do mensalão. Apenas R$ 3,6 milhões foram efetivamente repassados às contas de Marcos Valério. Ao rastrear o dinheiro, a PF verificou que os recursos chegaram a doleiros paulistas – e ainda não descobriu a identidade dos beneficiários finais. Para os investigadores, os destinatários foram indicados pela turma do PT e do publicitário Marcos Valério. Na resposta que enviou por meio de sua assessoria, Dantas omitiu a existência desses contratos. Afirma o relatório: “Os contratos (...) foram celebrados apenas com o objetivo de conferir a fachada de legalidade necessária para a distribuição de recursos, na forma de doações clandestinas ou mesmo suborno, negociados ao longo de dois anos entre os representantes dos grupo Opportunity e do Partido dos Trabalhadores, sempre com a indelével intermediação do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza”.

As provas reunidas pela PF constituem a última esperança do ministro Joaquim Barbosa e da Procuradoria-Geral para que o Supremo condene os réus do mensalão. Nos últimos anos, as opiniões dos ministros do STF sobre o processo modularam-se ao ambiente político – que, sob a liderança simbólica e moral do ex-presidente Lula, fizeram o caso entrar num período de hibernação. Alguns ministros, que em 2007 votaram por acatar a denúncia do Ministério Público, agora comentam reservadamente que as condenações dependem de “mais provas”. Hoje, portanto, o Supremo se dividiu. Não se sabe o desfecho do processo. Sabe-se apenas que, quanto mais tempo transcorrer, maior a chance de absolvição dos mensaleiros. Se isso acontecer, a previsão feita por Delúbio Soares, num passado não tão remoto, num país não tão distante, vai se materializar: o mensalão virará piada de salão. Será o retorno da ficção: era uma vez um país sério.